Há perguntas que não cabem em respostas prontas, porque nasceram no território onde vida e teoria se confundem. Quando pensamos no operário da fábrica, esse sujeito que carrega a história do mundo nos músculos e a memória da exploração nas mãos, perguntamos: o que nasce primeiro nele? A luta ou o amor?
Talvez essa seja uma falsa dicotomia. Talvez a luta seja o nome político do amor, e o amor seja o nome íntimo da luta.
Nós aprendemos, desde cedo, que o mundo gosta de separar o que na prática sempre esteve imbricado. Como se o operário lutasse por ideologia, quando na verdade luta por pão, por dignidade, por descanso, por filhos que possam viver melhor do que ele. E se isso não é amor, então o que mais poderia ser?
A fábrica é um útero duro. Ali dentro, entre barulhos de máquinas e rotinas repetitivas, nasce um tipo de afeto que não aparece nos filmes: o afeto que se constrói no reconhecimento do outro como igual.
O “bom dia” cansado, o cigarro dividido, o almoço apressado, o olhar que compreende sem palavras são gestos mínimos, mas são os tijolos de uma consciência coletiva.
Antes da luta existir como palavra, ela existe como vínculo. Antes do protesto existir como ato, ele existe como cuidado. Nós, que pensamos a esquerda, gostamos de procurar onde começa a ideologia. Mas talvez devêssemos procurar onde começa o afeto. Porque não existe organização sem confiança, não existe resistência sem laços, não existe revolução sem pertencimento.
Quem se define como esquerda costuma dizer que luta por justiça, igualdade, direitos. Mas será que conseguimos perceber onde termina a indignação e onde começa o amor? Ou será que essa fronteira é impossível de localizar, porque uma coisa respira dentro da outra?
Quando vemos um trabalhador defender o colega injustiçado, quando vemos mulheres pobres se unindo para sobreviver, quando vemos jovens enfrentando o medo para exigir que o mundo seja menos cruel estamos diante de uma manifestação de luta. Mas estamos, igualmente, diante de uma manifestação de amor.
Um amor que não é romântico, mas político. Um amor que não é suave, mas urgente. Um amor que nasce do reconhecimento do outro como alguém que merece existir com plenitude.
Talvez seja por isso que quem está realmente à esquerda nunca sabe exatamente onde um começa e o outro termina: porque não existe processo separado.
Existe apenas vida. E a vida é sempre feita de camadas que se atravessam. O operário ama quando luta. E luta quando ama.
E nós que observamos, estudamos, refletimos, entendemos que o dia em que a política se divorciar do amor será o dia em que deixará de transformar alguma coisa.
