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Os Lutos Que Não Têm Velório

Falamos muito sobre luto como se ele fosse exclusivo da morte física, como se apenas os que partem deixassem buracos em nós. Mas, à medida que amadurecemos à força, percebemos uma verdade que ninguém nos preparou para encarar: o luto também se levanta silencioso pelas coisas que continuam vivas… só que longe da gente.

Lutamos por amizades que acabaram sem aviso, por pessoas que ainda respiram, mas já não nos enxergam, por sonhos que não vingaram apesar de todo o esforço, e por versões de nós que ficaram no caminho às vezes destruídas pelos outros, às vezes sacrificadas por nós mesmos. O luto é, antes de tudo, uma aprendizagem brutal sobre aquilo que deixamos de ser.

No plural, entendemos o que dói de verdade: é possível sentir falta de algo que nem existe mais. De um futuro imaginado. De um afeto que nunca se realizou como prometia. De uma coragem que já tivemos um dia. De uma inocência que a vida arrancou sem pedir permissão. E isso também é perda.

Há dias em que não choramos por alguém, mas por nós mesmos. Pelo que suportamos sozinhos. Pelo que carregamos sem nome. Pelas forças que fingimos ter. E, nesse processo, compreendemos que o luto é uma forma de reconstrução só que lenta, íntima e quase sempre invisível.

Ninguém nos ensina que, para seguir, precisamos enterrar capítulos, mesmo quando não houve despedida. Precisamos aceitar que certas histórias acabaram mesmo que ainda nos doa admitir. Precisamos admitir que algumas versões de nós não sobreviveram e que outras, mais maduras e mais marcadas, surgiram no lugar delas.

É um processo quase arqueológico: cavamos dentro da própria alma e encontramos fragmentos do que fomos tentando entender o que vale guardar e o que precisa finalmente ser deixado no passado.

E, no fim, o luto que mais pesa é aquele vivido em silêncio. Aquele que acontece por dentro enquanto, por fora, seguimos funcionando, trabalhando, sorrindo e respondendo “tá tudo bem” porque não sabemos explicar o vazio.

Mas a verdade é simples e profunda: luto é reconhecer que crescemos. Que perdemos. Que mudamos. Que partes nossas ficaram no caminho para que outras pudessem nascer.

E quando finalmente aceitamos isso, entendemos que há uma beleza secreta nesse processo: o luto não marca apenas o que morreu marca também o que ainda pode florescer.

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