Há noites em que somos visitados por presenças esquecidas. Pessoas que não vemos há anos, cenas que acreditávamos dissolvidas pelo tempo, retornam em nossos sonhos com uma nitidez quase cruel. É como se a mente, esse arquivo desobediente, decidisse reorganizar memórias escondidas no porão do inconsciente.
Freud diria que o sonho é realização de desejo; Jung, que é linguagem simbólica do inconsciente coletivo. Mas, para além das teorias, há o estranhamento etnográfico: por que recordamos, de forma onírica, o que a vigília não permite? Talvez porque o esquecimento seja apenas uma máscara social, um artifício de sobrevivência.
O sonho é o retorno do reprimido, mas também uma forma de reabrir o diálogo com os fantasmas que estruturam nossa identidade. Ao acordar, não é raro sentir o desconforto da memória involuntária o tipo de lembrança que, como em Proust, vem impregnada de sensações, de cheiro, de corpo.
Sonhar, nesse sentido, não é se refugiar do real, mas viver um real ampliado, onde o tempo cronológico perde sentido. Somos etnógrafos de nós mesmos, coletando fragmentos de passados que insistem em nos habitar.
