Notibras

Oswald de Andrade, gênio, rebelde e… chato

Muito já foi dito e é conhecido sobre José Oswald de Sousa de Andrade, paulista, nascido em 11 de janeiro de 1890. Um dos fundadores do modernismo brasileiro, figura importante na poesia, no teatro e na prosa, foi preso treze vezes, casou-se cinco, tendo entre suas esposas Tarsila do Amaral e Pagu, e foi pai de quatro filhos.

Foi um personagem cuja genialidade literária dividia espaço com uma vida marcada por contradições e excessos. Herdeiro de uma família abastada, formou-se em Direito, mas nunca exerceu a profissão. Preferiu dedicar-se à boemia, às viagens e à escrita, sempre movido por uma inquietação intelectual que o colocava em constante conflito com o meio em que vivia. Amava provocar. Sua pena foi arma de guerra contra o conservadorismo literário, mas também contra os próprios colegas modernistas quando julgava que haviam se desviado do espírito de ruptura. Oswald fazia da polêmica um método e, da ironia, uma forma de expressão filosófica.

Considerava-se ocupante da primeira posição na literatura nacional. Por trás da imagem pública de vanguarda, havia um homem de temperamento instável, muitas vezes arrogante e contraditório. Era capaz de defender ideias marxistas enquanto mantinha hábitos de elite. Criticava o academicismo, mas buscou reconhecimento institucional na Academia Brasileira de Letras, para a qual se candidatou em 1940, laureado com apenas um voto, dado por Cassiano Ricardo, a quem considerava um dos maiores poetas do Brasil, ao lado de Drummond. Já Manuel Bandeira era, para ele, um chato que fizera seis poemas muito bons e, depois, montou e seguiu cavalgando em cima deles, enquanto Cecília Meireles era autora de livros que sequer deveriam ter sido publicados, assim como os de Nelson Rodrigues, a quem chamava de teatrólogo analfabeto.

Dizia que, no Brasil, havia romances, mas não romancistas, pois não via regularidade na qualidade das obras literárias. Esta qualidade atribuía a obras como S. Bernardo, de Graciliano Ramos, Jubiabá, de Jorge Amado, e Marafa, de Marques Rebelo.

— Às vezes, surgem livros formidáveis, que a gente jura não ter sido escrito pelos autores, muitas vezes uns calhordões.

Suas constantes brigas afastaram amigos e parceiros intelectuais. Mesmo Mário de Andrade, com quem partilhou o núcleo inicial do modernismo, distanciou-se após desentendimentos ideológicos e pessoais. Essa mesma intensidade o levou a rompimentos passionais e a crises financeiras frequentes, que contrastavam com o brilho de sua figura pública.

Simpatizou com o comunismo e chegou a filiar-se ao Partido Comunista Brasileiro na década de 1930, mas logo se desiludiu com a rigidez partidária. Sua adesão parecia mais estética do que doutrinária: via no marxismo uma extensão do gesto antropofágico, a possibilidade de “devorar” o capitalismo e reinventar o Brasil. Contudo, sua atuação foi criticada por militantes e intelectuais de esquerda, que o viam como um burguês excêntrico e pouco comprometido com as lutas sociais reais. Essa ambiguidade o isolou tanto da elite conservadora quanto dos círculos revolucionários.

Nos últimos anos de vida, Oswald de Andrade mergulhou em reflexões filosóficas e espirituais, buscando sentido num mundo que já não respondia ao seu ímpeto iconoclasta.

Polemista implacável, crítico mordaz dos contemporâneos, no final declarou que a vida era devoração pura, e só havia uma conduta a seguir, o estoicismo. Segundo ele, a devoração presidira a vida das sociedades primitivas, muito superiores às ditas civilizadas, que se serviram do messianismo para estabelecer a servidão de corpos e espíritos, além de ilusões de toda espécie.

Quando completou 60 anos, declarou-se “sex-appeal-agenário”.

Morreu aos 64, no dia 22 de outubro de 1954, amado e odiado, admirado e ridicularizado, mas nunca ignorado. Sua “antropofagia”, mais que um manifesto literário, permanece como símbolo do desejo de o Brasil devorar o mundo para reinventar-se.

…………………..

Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.

Sair da versão mobile