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Papel do Brasil nas decisões colegiadas

Durante boa parte do século XX, o mundo viveu sob a lógica do consenso. Um consenso imperfeito, desigual, muitas vezes imposto, mas ainda assim um consenso. Depois da Segunda Guerra Mundial, ergueram-se instituições destinadas a garantir que as grandes decisões globais fossem tomadas coletivamente: a ONU, o Banco Mundial, o FMI. Mesmo em meio à Guerra Fria, quando o planeta se dividia entre dois blocos ideológicos, as regras do jogo passavam, ao menos formalmente, por organismos internacionais. Os Estados Unidos, a União Soviética, o Reino Unido, a China e a França exerciam o poder do “sim” e do “não”. Um privilégio herdado da vitória na guerra e cristalizado no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Esses organismos, porém, envelheceram. O mundo mudou, novos polos de influência surgiram, e as instituições não acompanharam. O Conselho de Segurança da ONU segue sendo o mesmo de 1945, ignorando, por exemplo, a emergência de países como Índia, Brasil e África do Sul. O resultado é um crescente sentimento de paralisia e falta de representatividade. As decisões que deveriam ser colegiadas, globais e legítimas, tornaram-se raras, lentas e, muitas vezes, inócuas.

O processo de desgaste institucional ganhou força no momento em que o principal ator do sistema — os Estados Unidos — decidiu agir por conta própria. A invasão do Iraque em 2003, feita sem autorização do Conselho de Segurança da ONU, foi um marco. O país que deveria dar o exemplo de respeito às regras preferiu o caminho da força. E o precedente ficou. Quando, anos depois, a Rússia invadiu a Ucrânia também sem aval da ONU, o mundo assistiu à repetição de um roteiro que já havia sido ensaiado. Afinal, se os membros permanentes do Conselho não respeitam o próprio órgão, qual é a utilidade da ONU?

Mais recentemente, essa tendência se aprofundou. O atual governo norte-americano tem se mostrado descrente do papel das instituições criadas no pós Segunda Guerra. A decisão dos EUA de conceder um empréstimo bilionário a outro país sem a intermediação do FMI ou do Banco Mundial é o mais recente capítulo dessa história: uma jogada solitária, que simboliza a derrocada da ideia de governança global partilhada.

Nesse cenário, o Brasil surge como uma voz dissonante. Nossa diplomacia, construída ao longo de quase dois séculos, sempre acreditou no diálogo e na força das instituições. Foi assim na ONU, na COP, nos BRICS, no G20 e em tantas outras arenas internacionais. O Brasil aposta na cooperação, não na imposição.

Mas, diante de um mundo em que as instituições perdem força e o direito internacional se fragiliza, surge a pergunta inevitável: qual será o lugar do Brasil? Continuaremos apostando em vias diplomáticas num cenário cada vez mais dominado por ações autoritárias? Ou teremos de repensar nossa forma de atuar em um mundo onde as regras, simplesmente, já não valem?

O desafio é enorme. O mundo está mudando, e o Brasil, como sempre, precisará encontrar um modo de se mover com ele. A dúvida é: reagiremos com mais instituições, tentando restaurar o diálogo global, ou com menos, aceitando a nova lógica da força e da exceção?

Talvez o futuro da política internacional dependa exatamente disso: de quem ainda acredita que o diálogo é mais eficiente do que o autoritarismo.

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