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Parcerias do Buriti permitem tratar os dependentes químicos

Há pouco mais de quatro meses, José Antônio Barbosa não se reconhecia no espelho. Aos 32 anos, dez quilos mais magro, sujo e debilitado, o técnico em manutenção de ar-condicionado aparentava ser um zumbi, em sua própria definição. Passou os últimos cinco anos afundado no crack: perdeu o emprego, os amigos e parte da família o abandonou. O dia 27 de setembro de 2014 é considerado sua segunda data de nascimento. Foi quando ele se internou pela primeira vez no centro de tratamento para dependência química Salve a Si, na Cidade Ocidental (GO).

Limpo das drogas desde então, o morador de Santa Maria faz planos para retornar à sociedade de cabeça erguida. Pela dedicação e pelo perfil de liderança, foi selecionado para fazer estágio de monitor no centro: “Graças a essa casa, resgatei a minha dignidade, quero voltar a trabalhar, dar amor à minha filha (de 1 ano e 6 meses) e manter o foco, mesmo quando eu concluir o tratamento”.

José Antônio integra uma lista de cerca de 130 pessoas atendidas por sete casas terapêuticas mantidas por convênio com o governo do Distrito Federal. O tratamento é gratuito e voluntário. O requisito para ser aceito em uma das clínicas é o encaminhamento por um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), além da vontade de ficar livre do vício. Os contratos começaram em 2013 e têm vigência variada. Por ano, a Secretaria de Justiça e Cidadania repassa às casas R$ 2,7 milhões, investidos na recuperação de dependentes de crack, cocaína e maconha, entre outras substâncias ilícitas, além do álcool.

Homens e mulheres que enfrentam problemas com a bebida também são contemplados pela parceria entre o Executivo local e os centros. “A Secretaria de Justiça de Brasília é pioneira no País ao firmar convênios de acolhimento de dependentes químicos no modelo de residência terapêutica. Por causa dessa parceria, a Salve a Si conseguiu receber, só no ano passado, 520 pacientes”, destaca o presidente da entidade, José Henrique França. Com o convênio, os dependentes são tratados sem pagar um centavo.

As residências fornecem seis alimentações diárias e contam com profissionais como terapeutas, psicólogos, psiquiatras e monitores. O ambiente nas internações tem caráter democrático: moradores de rua e garis dividem o mesmo espaço com policiais, advogados e servidores públicos. “A dependência química iguala as pessoas; ter diploma não ajuda na hora em que você chega ao fundo do poço, sem controle sobre o uso de drogas”, atesta Georlando Góes, responsável pela Abba Pai, em Ceilândia. A instituição conveniada atende 37 homens.

José Henrique França, da Salve a Si, chama a atenção para o fato de que os pais também recebem suporte durante a internação do filho. “A família fica tão doente quanto o paciente, por isso ela é fundamental no processo de recuperação”, afirma. “Enquanto o acolhido faz o tratamento aqui, a família precisa participar de reuniões semanais externas”, disse em entrevista à Agência Brasília.

De cada dez pessoas internadas, três, em média, conseguem se manter limpas por dois anos ou mais. O índice de recuperação parece pequeno, mas quem lida diretamente com o resgate de dependentes analisa os números de forma positiva.

“Essas pessoas chegam sem nenhum tipo de perspectiva, completamente entregues às drogas, mas quando são tratadas e conseguem gerenciar suas crises, resgatam a autoestima e retornam à sociedade com dignidade”, analisa a psicóloga Elisa Andrade, da Salve a Si. “Se conseguirmos fazer esse resgaste com apenas um em cada dez, já é maravilhoso.”

A subsecretária de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Justiça, Joana Mello, diz que as políticas públicas de recuperação de adictos são prioridade. “Seremos incansáveis em procurar maneiras de levar bem-estar a essas pessoas, porque essas casas são de fundamental importância na vida dos dependentes químicos e também para as famílias, principalmente as sem condições financeiras”, afirmou Joana, que também preside o Conselho de Políticas sobre Drogas do DF (Conen-DF).

Para que as dívidas deixadas pela gestão passada não prejudiquem a recuperação de dependentes químicos, em 10 de fevereiro, foram feitos os depósitos das mensalidades atrasadas referentes a novembro e a dezembro de 2014. A parcela de janeiro será paga nos próximos dias.

Estreitar o relacionamento com essas instituições é outro objetivo da Secretaria de Justiça. Em 11 de fevereiro, uma equipe do Conen foi a uma das casas pela primeira vez em 2015. “Faremos visitas rotineiras para saber como os trabalhos estão sendo desenvolvidos”, diz Joana. “A impressão nesse primeiro contato foi positiva, mas a meta é trabalhar para que os atendimentos melhorem ainda mais.”

Depoimento
“Comecei na maconha aos 11 anos por influência de um amigo. Aos 16, conheci a cocaína e, aos 18, o inferno do crack. Perdi um bom emprego, vi as pessoas se afastarem de mim e hoje estou aqui tentando resgatar a minha dignidade. Chegava a passar três dias dormindo na rua, mesmo tendo uma casa confortável e uma família amorosa. É isso o que o crack faz: transforma a pessoa em lixo humano. Aqui, na Abba Pai, eu aprendi a ter paciência e a respeitar o próximo. As palestras com terapeutas e as reuniões em grupo me ajudam a lidar com os meus sentimentos. Depois de quatro meses de tratamento, começo a recuperar a confiança da minha família, da minha namorada e em mim mesmo.” (Márcio, nome fictício, 28 anos, paciente da Abba Pai)

Saulo Araújo

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