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Na censura, pastor passa faca em Je vous salue Marie, e Solange corta as músicas

José Escarlate

Sem contar sua atuação no primeiro governo de Getúlio Vargas, o Departamento de Censura de Diversões Públicas, da Polícia Federal, passou por muitas mudanças, com rotatividade intensa de seus dirigentes, durante a ditadura militar.

Em 1964, foi dirigido pelo jornalista Edísio Gomes de Matos e, depois, pelo Pedro José Chediak. Depois vieram o Aldo Vinholes de Magalhães, que era o chefe da sucursal do Correio do Povo, em Brasília, Carlos Rodrigues, jornalista e editor de pequenos jornais e revistas de turismo, que escreveu um livro sobre as normas da censura no país, depois transformado em bíblia. Guilherme de Sena Varjão, foi meu repórter na EBN, e José Augusto Costa, um caso peculiar. Era o censor destacado para o Correio Braziliense, ao mesmo tempo em que era chefe de reportagem daquele jornal.

No comando da censura federal seguiram-se Manoel Leão Neto, as três Marias – Maria Almeida, Maria Selma e Maria Silvia -, vindo depois Wilson Aguiar e o jornalista Wilson Queiroz Garcia, o “Bolinha”. O aperfeiçoamento dos censores era feito na Academia Nacional de Polícia, por órgão de informação do Exército e também aproveitando docentes de algumas disciplinas da Universidade de Brasília. A principal cátedra era a de Legislação Especializada.

No governo Geisel, com a censura mais abrandada, mas firme, o diretor era o coronel Moacyr Coelho, que lá permaneceu até o fim da gestão Figueiredo. O censor e jornalista José Vieira Madeira, que foi meu chefe em O Dia e A Notícia, havia dirigido a censura em São Paulo e foi substituído pela mais famosa censora, Solange Hernandez, a “Solange Tesourinha”. Ela era historiadora diplomada pela USP e representante da “linha-dura”.

Na sua passagem pela censura, vetou e proibiu 2.517 letras de música, 173 filmes inteiros, 42 peças de teatro e 87 capítulos de novelas. “Solange Tesourinha”, símbolo da interdição estatal, foi homenageada pelo ator, cantor, compositor, escritor e jornalista Léo Jaime, que participou do grupo “João Penca e Seus Miquinhos Amestrados”, que clamava, indignado: “Eu tinha tanto pra te dizer/ Metade eu tive que esquecer/ E, quando eu tento escrever/ Sua imagem vem me interromper (…)”.

Por conta da insatisfação, a segurança do ministro da Justiça Armando Falcão, no governo Geisel, era acintosa e lembrava muito a figura dos meganhas, com um monte de agentes de óculos ray-ban, truculentos, que o acompanhavam em veículos tipo Veraneio, com vidro fumê preto, protegidos pela escuridão. Muitas vezes, mostravam o armamento pesado.

O censor Coriolano Fagundes, que se tornou pastor da igreja Assembléia de Deus, não assistiu mais televisão e deixou de frequentar cinemas. Considerava “obras do maligno”. Coube ao pastor Fagundes assinar o último ato de censura no país: a proibição do filme “Je vous salue, Marie”, em 1986. Diz que assinou o ato contra sua vontade e revela que foi pressionado pelo presidente, contra a vontade do ministro, Fernando Lyra, “tanto que ele renunciou”.

“O ato proibitório foi meu, mas o autor intelectual foi o presidente Sarney” – salienta. Em fins da década de 1990, dos 220 censores que existiram, 116 estavam na ativa e foram elevados à categoria de delegado. Dos 104 aposentados, 36 eram advogados e 71 não tinham nenhuma formação jurídica.

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