Paula colocou o vestido mais sóbrio que possuía e maquiou-se discretamente, bem menos que o habitual. Enfeitou-se com fitas, adorava fazê-lo. “É como se envolvessem não meu corpo, mas minha essência de mulher”, imaginou sonhadora. Colocou um colarzinho dourado, presente do Afrânio. Olhou-se criticamente no espelho e gostou do que viu. Ia a um escritório de advocacia, pois Jorge, um amante velho, rico e recém-falecido, a havia contemplado no testamento. “Na certa me deixou uma lembrancinha sem valor”, disse para si mesma com uma ponta de amargura. “Que nem esse colar. É o que sempre fazem…”. E saiu.
Eulália colocou um vestido elegante, com um decote um pouquinho mais ousado, e maquiou-se. Pôs um lindo colar de pérolas, presente do Afrânio. Olhou-se criticamente no espelho e gostou do que viu. Ia ao médico e depois faria umas comprinhas. “Adoro ir de loja em loja, é o jeito para trazer alguma cor à minha vida monótona”, disse para si mesma com uma ponta de amargura. “É o que sempre faço”. E saiu.
Entraram quase juntas no mesmo edifício, tomaram só as duas o elevador, apertaram andares diferentes, o 13º e o 16º. Mas, no 11º andar, o aparelho parou de repente, com um solavanco. Minutos depois, pelo comunicador, um funcionário explicou que sentia muito, mas o conserto levaria no mínimo meia hora.
As duas mulheres se entreolharam, num silêncio incômodo. Minutos depois, Paula não resistiu:
– Desculpe, a senhora é dona Eulália, não é?
Eulália olhou-a da cabeça aos pés e viu uma mulher madura, ainda atraente, com um rosto simpático. Vestia roupas simples mas não vulgares (exceto, talvez, pelas fitas, que ainda assim combinavam com ela).
Respondeu:
– Sou sim. E a senhora é…
– Não me chame de senhora, sou a Paula… – falou com um risinho.
Calou-se, respirou fundo, como se tivesse chegado a uma decisão, e continuou:
– Ficar presa neste elevador me dá a oportunidade de falar com a senhora, o que nunca imaginei que fosse acontecer. A senhora…
– Me chama de você – interrompeu Eulália, interessada na conversa, apesar de sentir que pisava terreno perigoso, provavelmente ouviria coisas que a machucariam.
– Tá bom – concordou Paula. – Você e eu temos muita coisa em comum. Somos mulheres maduras, mais ou menos da mesma idade. E temos o Afrânio… – completou olhando a outra nos olhos, desafiadora.
-É, já sabia que ele tinha uma… – Não completou, nem precisava.
– É, sou a outra do Afrânio. Ele faz questão que eu não me vista como uma vagabunda, gosta de me exibir para os amigos. –
E deu uma guinada na conversa.
– Sabe, já tinha visto você de longe, mas o que reconheci foi o colar. Ele me mostrou no dia em que comprou. Como prêmio de consolação, me deu essa correntinha dourada. E esperou que eu demonstrasse, na cama, todo o meu agradecimento…Que imbecil!
Eulália sorriu, mesmo sem querer. Tinha a mesma opinião sobre o marido.
E prosseguiu:
– Posso perguntar o que a levou a essa vida?
– Olha, muitas de nós falam em incesto, em abandono pelo namorado depois que ele se aproveitou delas. E em muitos casos é a pura verdade. Também se fala que é um problema social, expressão do machismo, da dominação do homem sobre as mulheres, e claro que é verdade. Mas a coisa é mais complicada. Não dá pra fazer isso sem gostar de sexo, e nem todas as mulheres gostam. Eu adoro, fiz escolhas erradas, ganhava muito dinheiro e presentes caros, depois eles diminuíram e hoje é tarde demais para seguir outro caminho.
Paula continuou a falar, como se quisesse aproveitar cada segundo daquele tempo fora do tempo para desabafar.
– Uma coisa é certa: quem inventou a expressão “mulher de vida fácil” não sabia o que estava dizendo. Por exemplo, você com certeza nunca passou fome, eu já, diversas vezes. Os homens pensam em você como uma mulher atraente, em mim como uma mulher gostosa e coisas mais pesadas.
Mas a coisa é mais complicada,, mulher alguma tem vida fácil. As mãos dos homens, do Afrânio, deixam marcas visíveis na minha pele, na sua as marcas são invisíveis mas estão aí, uma mulher consegue vê-las. E concluiu, com uma guinada que surpreendeu a si mesma:
– Sabe, tenho pena de você. Alugo meu corpo a Afrânio, mas você é dele, pertence a ele. – E o Afrânio é horrível na cama! – acrescentou com um sorriso cúmplice, de mulher para mulher. – Grunhe feito um porco enquanto transa e não me espera nunca, só pensa nele! Você já teve prazer em seus braços?
Eulália relutou em responder mas admitiu.
– Nunca –, falou num fio de voz.
– Só que posso ter outros homens. Posso montá-los, domá-los e, às vezes, chegar ao clímax. Há noites em que me entrego por uma carícia, um gesto carinhoso, por um poema. Você muito provavelmente não. Você é propriedade privada dele, uma mulher privada de um amante. Tadinha!
Nesse momento, o funcionário da portaria informou que o elevador se moveria em instantes.
– Pois é, aproveitei esse tempo e esse espaço mágicos para botar pra fora muitas coisas que sentia sobre Afrânio. E para dizer que minha vida é dura, mas tem momentos de prazer. A sua… – não completou, nem precisava.
Paula falou rápido, enquanto o elevador subia:
– Não pretendo tornar a ver o Afrânio, você agora é minha amiga – e acrescentou com um sorriso irônico. – Se bem que nem sempre cumpro minhas promessas…
O elevador deteve-se no 13º andar, a porta se abriu e Paula saiu para o corredor.
– Adeus, minha amiga. Que os anjos a protejam.
– E a você também, minha amiga – respondeu Eulália, antes que a porta fechasse.
