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Pecado, perdão e alívios da tensão da humanidade

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,
de vossa alta clemência me despido;
porque quanto mais tenho delinqüido,
vos tenho a perdoar mais empenhado.
… eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino,
perder na vossa ovelha a vossa glória.
(Gregório de Mattos)

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No poema de Gregório de Mattos, o “Boca do Inferno”, há um apelo enfático para o perdão do Senhor. Mas, em razão do volumoso número de pecados em toda história da civilização humana, há uma suspeita de que os pecadores estão pouco se lixando para o perdão. E por mais que se empenhe Nosso Senhor em perdoar, o Seu esforço infinito e supremo está sempre aquém da gigantesca oferta de pecadores. O pecado é encontrado no atacado, e de diferentes tamanhos. As ovelhas desgarradas são milhões, senão bilhões, e entre elas existe uma pequena minoria enfurecida, cujo furor é de fazer inveja a qualquer lobo das estepes.

O perdão é uma eficiente rota de fuga para o delinquente. Uma das práticas espirituais mais profundas e transformadoras que o ser humano pode vivenciar. Muito além de um simples ato de absolvição moral, perdoar é um movimento de libertação, ou ainda, um passaporte para seguir pecando.

Do ponto de vista etimológico, a palavra “perdão” provém do latim perdonare , que significa “dar completamente” ou “renunciar inteiramente”. Sugere não apenas a cessação do ressentimento, mas a entrega plena de um vínculo emocional negativo. Ipsis litteris, perdoar é lembrar sem rancor, desativando o poder destrutivo que o passado pode exercer sobre o presente. Ou não…

Adão e Eva, segundo o relato bíblico do Gênesis, viviam no Éden sob a condição de não comerem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, uma simples maçã. Tentados pela serpente, desobedeceram ao mandamento divino e comeram o fruto proibido. Esse ato de desobediência, interpretado como o pecado original, abriu as portas para o sofrimento da humanidade através dos tempos, nos quatro cantos do mundo. Como castigo, Adão e Eva foram expulsos do paraíso, perdendo o direito à imortalidade. A serpente foi condenada a rastejar e ser inimiga da espécie humana. Esse episódio simboliza a perda da inocência, a entrada do mal no mundo e a ruptura da comunhão direta com Deus. Desde então, o pecado original é considerado herança espiritual da humanidade, redimida apenas pela graça divina.

Um recorte na história nos conduz aos tempos do faraó Ramsés, há milhares de anos, quando recebeu severa punição, ele e seu povo egípcio, por teimar em manter os judeus na escravidão. O livro do Êxodus, na Bíblia Sagrada enfatiza dramaticamente o período das Dez Pragas lançadas pelo senhor sobre os egípcios, causando escuridão, doenças, epidemias, quebra de safras, poluição dos rios e morte dos primogênitos.

Na Idade Média, conhecida como o Período das Trevas, milhares de cidadãos e cidadãs acusados de heresia foram chacinados com ferro e fogo a mando da Igreja Católica. Se houve ou se não houve o perdão não sabemos, tampouco o mea culpa da Igreja pelos erros praticados por séculos e séculos. As chacinas de centenas de milhares de pessoas marcam a história da humanidade. A colonização das américas pelos ingleses, franceses, espanhóis e portugueses deixou um rastro de destruição dos povos originários por séculos seguidos. De igual tamanho foi a colonização da África. As guerras continuam exterminando os povos.

No passado recente, houve o genocídio dos judeus praticado pelos nazistas, em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Desde ao ano passado (2024) os Israelenses promovem ataques sangrentos e mortais, por terra e por ar, contra os indefesos e maltrapilhos civis palestinos na Faixa de Gaza, sem poupar mulheres e crianças, principais alvos do genocídio pós-moderno. Não bastasse, os judeus iniciaram o bombardeio no Iran, acompanhado pelos Estados Unidos, na chamada Guerra dos 12 dias. 12 dias? Só o tempo dirá!
Nos tempos pós-modernos podemos acrescentar a Guerra na Ucrânia, com milhares de vítimas fatais e tantos outros feridos.

E o perdão do Senhor para as atrocidades praticadas? A oração do Pai-Nosso ensina: “Perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12), vinculando a misericórdia divina à nossa capacidade de perdoar.

Entretanto, o ato de perdoar não implica submissão ou conivência com o erro. Trata-se de um gesto de força interior que visa romper com a lógica da vingança e da repetição da dor. É uma escolha consciente de se libertar do domínio emocional do ofensor. O perdão também possui uma dimensão alquímica: ele transmuta o sofrimento em sabedoria. A ofensa, quando iluminada, revela os limites e fragilidades humanas. Nesse sentido o perdão pode ser visto como um processo iniciático, um rito de passagem rumo à maturidade espiritual.
Em tempos marcados por polarizações e conflitos, o perdão se torna um ato revolucionário. Ele não apenas cura relações pessoais, mas tem o potencial de restaurar laços sociais, reconstruir vínculos comunitários e pavimentar os caminhos da Luz Divina.

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Hussein Sabra el-Awar é Membro Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas
@colegiodosmagosesacerdotisas

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