A vida é um mosaico, onde vamos colando pequenas peças e formamos um desenho qualquer, como diria um certo poeta. Se bem que ele fala “numa folha qualquer”… mas a ideia é a mesma… O que desejo expressar é que pequenas intervenções do destino em nosso dia a dia vão formando um grande desenho, retrato de nossa vida. Cada um tem o seu, particular, especial… e os desenhos formados, mesmo que sejam semelhantes visualmente, são muito diferentes em sua essência. E por que? Simples… a minha experiência, por mais que tenha algumas coisas em comum com as suas, me trazem recordações que para outra pessoa não querem dizer nada…
Já fiz essa prova várias vezes, com pessoas diferentes, e a resposta sempre foi a mesma… aquilo que para mim despertava lembranças de tempos idos, pessoas que compartilharam a mesma experiência nem mesmo se recordavam de tal fato… aquilo que eu lhes apresentava não tinha nenhum valor referencial para elas…
Uma dessas experiências fiz com um personagem que eu simplesmente amava quando criança. Na minha infância era comum os meninos brincarem de bangue bangue… a gente colocava um cinturão, revolver no coldre e disputávamos duelos, vendo quem sacava e atirava primeiro… o perdedor “morria”… era divertido… a ideia dessas brincadeiras vinham principalmente dos gibis e programas radiofônicos da época. Filmes a gente quase não via. Afinal, os cinemas ficavam longe e a TV dava seus passos iniciais…
Um de meus personagens favoritos era “Juvêncio, o justiceiro do sertão”, criado por Reinaldo Santos e interpretado por Vicente Lia. Todos os dias, de segunda a sexta feira, antes do horário da Voz do Brasil, a gente acompanhava as aventuras do herói, sempre ao lado de seu fiel companheiro Juquinha e de seu cavalo Corisco…era a época dos circos itinerantes e de vez em quando um deles era montado no bairro em que eu moro ainda nos dias de hoje. Quase sempre a trupe do Juvêncio vinha se apresentar, e a gente ia assistir a peça… era um dia de festa… na entrada ficavam os pipoqueiros, vendedores de churrasquinho e outros acepipes… geralmente meu pai nos comprava um churrasquinho… meu Deus, que delícia…
Mas vamos falar sobre a experiência em si… a algum tempo atrás encontrei no Youtube a canção tema do seriado radiofônico em questão. Coloquei em certo volume e mostrei para minha mãe, perguntando se ela se lembrava da música. Nada. Encontrei em alguns grupos de quadrinhos duas revistas do herói e montei um livro com as histórias encontradas e as apresentei ao meu irmão, que cresceu junto comigo e viveu as mesmas experiências, é claro. Também não se recordava do personagem… ou seja, a importância que essa lembrança tinha para mim nada dizia para os dois. Talvez você me pergunte porque não mostrei tal material para meu pai… bem, quando o encontrei a muito meu genitor já havia partido para outro plano. Mas é bem provável que, se vivo estivesse e eu lhe apresentasse o material em questão, a sua resposta seria a mesma dos outros… porque, de certa forma, a personagem teve importância para mim, mas não para eles…
Cresci em uma época em que cultuávamos os personagens de um passado próximo… ainda era possível ver vaqueiros cuidando de gado, cavaleiros andando de baixo para cima, estradas de terra, onde a poeira se transformava em nuvem quando uma cavalhada passava por ela. A variedade de pássaros era grande. Andorinhas, sabiás, tesourões, beija-flores, tico-ticos, pica-paus…. Havia uma variedade infinita de cantos e cores no céu… as árvores tinham ninhos de todos os tipos de pássaros. Até corruíras, que procuravam buracos nas paredes para construir sua morada. Borboletas das mais variadas cores esvoaçavam por entre as flores, disputando o néctar destas com as abelhas e outros pequenos insetos. Na primavera as cigarras cantavam alegremente pelo mundo e na primeira trovoada do ano havia a revoada dos içás… acredito que a maioria das crianças de minha época adorava comer essa iguaria um tanto exótica… a gente pegava uma lata e procurava o formigueiro mais próximo e, conforme as tanajuras iam saindo da toca, a gente as pegava, arrancava sua cabeça a as colocava na lata… chegava em casa, nossa mãe as limpava e torrava, fazendo uma farofa, geralmente com farinha de mandioca. Nossa, a gente se fartava comendo essa delícia…
Sendo franca, nos dias de hoje não acredito que comeria tal iguaria novamente… conforme vamos crescendo, a gente se torna mais seletiva quanto ao alimento que ingerimos… mas na época… que delícia, meu Deus…
Havia vários pratos que minha mãe preparava, tudo lembrança de sua infância, que repartia conosco. Um deles era o “corisco”, um bolinho de fubá assado na brasa, em folha de bananeira. Era muito bom. E as pamonhas, meu Deus do céu? Que delícia! A gente plantava o milho no quintal… era um milharal considerável… e quando as espigas estavam no ponto, minha mãe colhia, ralava as espigas e fazia essa coisa maravilhosa… não preciso nem dizer o quanto a gente se acabava, devorando essa delícia… tínhamos abacaxi plantado em casa e quando a fruta ficava madurinha, colhíamos e a comíamos… fruta doce como mel, como você não encontra nos dias de hoje… porque deixávamos amadurecer no pé e só colhíamos quando realmente estava madura. O mesmo acontecia com as outras frutas. Uma delas era a ameixa. Não essa de casca vermelha, que encontramos nos dias de hoje quando vamos na feira… mas aquela amarelinha, tão doce que parecia açúcar… tinha o maracujá roxo, com um sabor simplesmente inigualável, bem diferente do maracujá que encontramos atualmente…
Sim, são pedaços de recordações que nos fazem viajar pelo tempo, lembrando uma época que, para nós foi a melhor. Claro que essa é uma interpretação pessoal, visto que cada um tem suas recordações. Mas, boas ou más, são elas que te ajudaram a crescer. As experiências pelas quais todos passamos foram nos moldando, e nos tornamos o que somos hoje…
Esse mosaico imenso e lindo que é a vida sempre nos aponta um novo caminho a seguir. Sabemos que logo chegaremos ao final de nossa jornada, mas como é bom ter boas recordações dos momentos já vividos… então, nosso papel agora é proporcionarmos aos nossos pequenos a mesma chance de serem felizes, como nossos pais nos permitiram. Deixar as crianças serem apenas crianças, brincar e guardar momentos que comporão seu próprio mosaico. Para que, quando estivermos em outro plano, façamos parte de suas recordações… daqueles momentos agradáveis que viveram ao nosso lado, como vivemos ao lado dos que nos ajudaram a crescer…
Sejamos para os pequenos a Luz que ilumina seu caminho, assim como os que vieram antes de nós nos deram sua Luz e nos permitiram ver um mundo maravilhoso… e um dia todos nós, aqueles que já partiram e esses que estão chegando agora, se reunirão conosco no Nirvana, onde a Paz e a Alegria reinam por todo o sempre…
