Ele não era nenhum Indiana Jones, mas enfrentava diversos riscos em suas expedições arqueológicas. Não um grupelho de nazistas em busca da arca perdida; coisas mais corriqueiras, a começar pelos perigos da selva. Nas matas que cobrem a península do Yucatán, no México, onde ele buscava núcleos maias esquecidos, cobertos pela vegetação, havia onças-pintadas, pumas, crocodilos e diversas espécies de cobras, entre elas as venenosíssimas cascavel neotropical, encontrada do México à Argentina, e a cobra-coral variável, com padrões em listras geralmente nas cores preta, vermelha e branca (mas nem sempre, daí a designação de variável). Então, depois de abrir uma trilha com o facão, era necessário muito cuidado, ao dar cada passo.
Só que ele havia perdido a perna e o pé esquerdos em um acidente automobilístico, substituídos por membros de metal resistente e flexível. Assim, de certa forma, dispunha de uma vantagem em relação aos demais exploradores – se é que se pode utilizar esse termo sem conotações de escárnio, dado o que lhe sucedera. Em termos bem crus, o misto de arqueólogo e robocop devia se preocupar em proteger apenas o lado direito do corpo.
(Sei que isso parece causo inventado de humor negro, mas juro que vi, no Discovery Channel ou algo assim, um explorador asiático perneta, de pé e perna metálicos, que procurava justamente cidades maias esquecidas. Então vamos em frente.)
Certa tarde, ele caminhava sozinho pela mata, de volta ao acampamento. Atrasara-se, a noite chegava, justamente a hora em que os ofídios se mostram mais ativos. De repente, sentiu um impacto e percebeu que presas de cobra haviam penetrado em sua calça, acima do tornozelo. Mas não encontraram pele nem carne, pois a perna golpeada tinha sido a esquerda, seu lado metálico.
Olhou para baixo e viu que era uma coral, furiosa pelo insucesso do bote. O roboarqueólogo decidiu zoar com a agressora.
– Morde outra vez! – ordenou.
A coral obedeceu. Efeito nenhum.
– Investe outra vez!
(Mudara o verbo ao lembrar que uma mordida de cobra não era seu recurso mais perigoso, e sim, é evidente, o veneno injetado no local mordido.)
A cobra obedeceu. Novo insucesso.
– Crava as presas outra vez!
Obediência e fracasso idênticos aos anteriores.
Depois do sexto ou sétimo ataque infrutífero, a coral, temporariamente sem um pinguinho de peçonha, mostrou-se fiel a sua denominação de variável e decidiu adotar outro comportamento. Abriu os bracinhos que não tinha, espreguiçando-se simbolicamente. Bateu as pestanas de que tampouco dispunha, em um olhar a um só tempo submisso e sedutor, e implorou/confessou ao explorador:
– Posso parar? Tão cansada…
