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Pernas de pau, por ambição, querem travar futebol e criar malfadada Boludobol

Dada a manifesta incapacidades de a cartolagem brasileira organizar uma liga de futebol com um mínimo de eficácia, os técnicos gringos decidiram chamar a si a tarefa. A iniciativa coube aos místeres portugas, numerosos por essas bandas. Foi concebida, desse modo, a Gajobol, que, tadinha, morreu antes de ser dada à luz.

Na reunião de lançamento da nova Liga, os senhores professores doutores (assim eram chamados os professores universitários em terras d’além-mar, não sei se tanta pompa e circunstância se perdeu nos fumos do tempo) reuniram-se antes do evento, para uma sardinhada regada a vinho verde.

Os mais bem-sucedidos profissionalmente, não por acaso os mais falantes, presidiam os trabalhos; outros, principiantes, colecionadores de derrotas ou, vá lá, mais tímidos, limitavam-se a comentários na linha “Ó, pá! Porreiro!, Chiça!, Muita bom!, É verdad!” e outras pérolas do português castiço, idioma natal dos heróis do mar.

– As coisas estão a melhorar –afirmou um dos mais vitoriosos. – Meus miúdos já pedem pra vestir a camisola.

– É verdad, ó pá! – concordou um coadjuvante.

– Porreiro!!

– Chiça!!!

-Muita bom!!!!

-Os meus são parvos mas, se calhar, estão a aprender – contrapôs outro dos loquazes. –Outro dia, um atleta correu pra mim e disse, “Viu o golo que enfiei no rabo do baliza”?

A maioria olhou desaprovadoramente. Era demasiado cedo para palavras cabeludas.

– Os meus já calçam sapatilhas, em vez de tênis – comentou um terceiro.

– O mais trabalhoso foi ensiná-los a falar equipa, à portuguesa – observou um quarto, bem falador. Afinal, não são franceses para falar equipe, ó pá.

Nisso, bateu uma onda de nostalgia da terrinha e todos cantaram, desafinando na última, o clássico Lisboa, não sejas francesa, imortalizado por Amália Rodrigues.

E assim transcorreu a noite, com sardinhas e vinhaça; só faltaram fados e guitarradas. Lá pelas tantas, alguém decidiu adiar a reunião, estavam demasiado borrachos para fundar a Gajobol. Houve um coro de “É verdad” e todos se retiraram.

Um deles, porém, partiu remoendo coisas em sua cabxinha.

Era um português do norte, meio bronco, membrudo e arruivado, como tantos deles. Era “grande elenco”, quer dizer, fora trazido como auxiliar de um técnico que, este sim, tinha nome e sobrenome. Racista e preconceituoso, saudoso do império luso, desprezava os jogadores brasileiros – e por eles era desprezado. Seu motivo maior de ressentimento: o uso indiscriminado do termo “miúdo” para designar atletas jovens.

– Lá em Portugal há miúdos; aqui, em termos de mentalidade e cultura, não passam de menininhos. São putos! – dizia sempre a si mesmo.

Diga-se que, em Portugal, “puto” tem também a acepção de menino pequeno, mas esta se perdeu no Brasil. Daí o esmerdeio que acabou levando a óbito a Gajobol.

A oportunidade do preconceituoso surgiu num dia em que estava sozinho com o time no vestiário (que ele insistia em chamar de balneário), pouco antes do início de um jogo. Rosnou para os desportistas:

-Brazucas, vou ensiná-los a falar português corretamente. Quem não repetir comigo, fica aqui no balneário, não pisa em campo – e entoou:

“Sou puto do professor. Vou ajudar minha equipa a fazer golos no baliza adversário”.

Foi demais para Pedrão, um garoto de 18 anos, recém-saído da base, que estreava no time principal.

– Num sô puto de ninguém não, seu portuga de bosta! – e baixou a porrada no auxiliar técnico.

O pau quebrou no vestiário (ou no balneário, como queiram). Os demais auxiliares vieram em auxílio do conterrâneo, os jogadores, nacionais e gringos, seguiram Pedrão. Ressentimentos dissimulados vieram à tona e, mais ágeis e em plena forma, os miúdos/putos deram uma surra nos portugueses. Smartphones e redes sociais informaram todos os times com treinadores lusos, e em todos eles foi aberta a temporada de caça ao portuga. Os brasileiros mostraram-se façanhudos, ganharam de 7x 1.

Resultado, o decano dos técnicos d’além-mar decidiu adiar sine die o lançamento da Gajobol.

– Faremos isso quando os ânimos tiverem serenado – concluiu, com um suspiro.

Mas é bom os gajos se apressarem, pois outro valor igualmente alto, se não mais alto, se alevanta. Uma segunda leva de professores gringos está planejando criar uma liga, e eles são mais espertos, mais catimbeiros que portugas e brazucas somados. Então rapidinho com o andor, ó pá, que os hermanos estão pensando em lançar a Boludobol.

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