Esta semana caiu o terceiro primeiro-ministro em menos de um ano na França. Coisa que os franceses parecem acostumados. Após a queda de François Bayrou em setembro, agora caiu Sebatien Lecornu, vinte e sete dias da posse no executivo da França. Contando este, somam-se cinco indicações de Emmanuel Macron desde que iniciou o segundo mandado de presidente.
Tal situação decorre em parte de uma peculiaridade do parlamentarismo francês em que o presidente pode indicar o primeiro-ministro sem considerar o partido ou coligação que obtém mais cadeiras no parlamento, algo que não acontece em Portugal por exemplo, em que o partido ou coligação com maior número de deputados é quem indica. Fosse no Brasil, chamariam a isso de uma jabuticaba, mas é na França. Lecornu se demitiu antes de ver reprovada sua proposta de orçamento para o ano de 2026, o que certamente aconteceria visto que o governo não tem votos suficientes para aprovar um orçamento sem negociar, o que tem se recusado.
Feitas estas considerações, importante ressaltar que o que subjaz a esta situação é uma questão de fundo que afeta sobremaneira a sociedade e invariavelmente ocorre em quase todos os países: uma política econômica neoliberal. O presidente Macron como se sabe é de centro-direita, uma linha política que defende a liberdade absoluta para os mercados e um estado cada vez menor com cada vez menos políticas sociais, e aqui está o grande problema em uma sociedade que se erigiu no pós-guerra com políticas Keynesianas em que o Estado foi fundamental para se chegar à condição de desenvolvimento social que ainda caracteriza a França.
A França, assim como diversos outros países da Europa, adotou políticas em que o Estado se fez presente na indução do crescimento e na adoção de fortes políticas de bem-estar social, o que fez de um país arrasado na segunda guerra mundial um dos mais ricos da Europa, com uma renda pessoal bastante alta e serviços públicos de excelente qualidade para todos.
Ocorre que desde os anos 90 com o fim do bloco soviético, que em parte servia de estímulo para que os países capitalistas adotassem políticas sociais robustas para desestimular caminhos para alguma forma de governo socialismo, o neoliberalismo vicejou e passou a assolar o continente europeu, e práticas antes circunscritas aos países periféricos se tornou o novo “modus operandi”. Aos poucos os recursos para políticas públicas foram sendo solapados, salários comprimidos e direitos trabalhistas extintos, o que como se sabe corrobora para a escalada das desigualdades sociais como bem se traduz na sociedade brasileira.
Macron insiste em indicar primeiro-ministro que reze pela cartilha neoliberal, e que invariavelmente apresentam orçamentos com cortes drásticos nas políticas sociais e elevação nos gastos com defesa utilizando para isso o fantasma russo a pairar sobre a Europa com sua interminável guerra na Ucrânia.
Acontece que a população francesa, forjada ao longo de séculos nas lutas por justiça social, e que bravamente resistiu à criminosa ocupação nazista na segunda guerra não se dobra assim facilmente. As mobilizações das últimas semanas por um orçamento que coloque no centro as pessoas levaram para as ruas das principais cidades francesas mais de um milhão de pessoas, em uma demonstração de que os franceses não abrem mão de seu lema fundante: igualdade, fraternidade e liberdade.
Nas últimas eleições legislativas, diante de um real possibilidade de vitória do partido fascista Reagrupamento Nacional (a França também tem os seus fascistas que crescem com o espalhamento do medo que deriva exatamente da piora da qualidade de vida do povo) os partidos de centro-esquerda e esquerda se uniram e fizeram a maior bancada do parlamento, o que em um parlamentarismo genuíno faria com que esta coligação indicasse um primeiro-ministro. Mas, em função da jabuticaba francesa citada acima, Macron continua a indicar representantes neoliberais da direita para o cargo, o que está fazendo do executivo francês este rodízio que, a depender da vontade dele, só terá fim em 2027, por ocasião da eleição para a presidência da França.
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Antonio Eustáquio é correspondente de Notibras na Europa
