Uma das características marcantes dos heróis de papel… seja no cinema, TV ou revista… é que a maioria deles tem uma identidade secreta. A poucos é dado o privilégio de conhecer a pessoa atrás da máscara. Claro, tem sua lógica. Se a personagem não esconde sua vida civil de olhos indiscretos, seus entes queridos podem sofrer as consequências de suas ações pelas mãos de seus inimigos…
Já parou para pensar que todos nós, sem exceção, também temos uma “identidade secreta”? Uma, não. Várias. Temos personas que se encaixam em diversas situações, cada uma independente da outra. Claro, é uma defesa que construímos em nosso dia a dia, para que possamos vivenciar nossas facetas sem sermos molestadas por isso…
Nem todas nossas personas são bem aceitas socialmente. Algumas são execradas, é só podem existir em alguns redutos bem específicos. Outras já são mais toleradas. No geral, somente aceitam a persona que corresponda ao nicho no qual nos encontramos. E isso tem sua lógica. Como podemos existir de uma maneira em um grupo cujo norte nada tenha a ver com nossa forma de agir, de ser? É um pouco difícil, não é mes-mo?…
Claro que sempre nos adaptamos no meio em que nos encontramos… é a nossa capacidade camaleônica. E para vivermos a essência desejada, mimetizamos a forma de agir correspondente ao grupo social no qual estamos inseridas. De certa forma, eu citaria um certo poema de Fernando Pessoa que ilustra essa nossa capacidade… “O poeta é um fingidor… finge tão completamente… que chega a fingir que é dor… a dor que deveras sente…E os que leem o que escreve… na dor lida sentem bem… não as duas que ele teve… mas só a que eles não têm… E assim, nas calhas de roda… gira, a entreter a razão… esse comboio de corda… que se chama coração…”
E assim somos nós… poetas em nossa essência, fingimos o tempo todo sermos aquilo que de fato não somos… mas que somos em realidade. Confuso? Nem tanto.. Fingimos ser o que não somos, quando o somos na realidade. Ou seja, para conseguir viver, abrimos mão de nossa verdadeira essência sem deixá-la de lado realmente… estamos o tempo todo representando um papel, e na maioria das vezes a persona que estamos representando é a que somos de fato…
Nosso maior cuidado em todas as ações por nós cometidas tem a ver, principalmente, com a aceitação de nossos “iguais”… mas quem seriam esses? A principio, as pessoas que estão dentro de nosso círculo social… aquelas que convivem diariamente ao nosso lado. Mas somos todos uma Esfinge. E a antiga frase “decifra-me ou te devoro” nunca saiu de moda. Estamos sempre prontas para saltar sobre o incauto e estraçalhá-lo com as garras afiadas das palavras… sim, pois essa é, sem dúvida, a arma mais letal…
Cada pessoa de nosso entorno conhece uma faceta de nossa personalidade. Ninguém nos conhece completamente. Porque, na realidade, nem nós nos conhecemos com tal profundidade. A cada dia vivido descobrimos uma nova faceta, antes totalmente desconhecida por nós. E nem sempre essa faceta é positiva. Embora não percebamos as nuances de cada persona…
Durante o dia usamos várias máscaras, cada uma correspondente ao ambiente no qual nos encontramos. Nem sempre escolhemos nosso destino, muitas vezes somos conduzidas a determinada situação, pois precisamos vivenciar aquela experiência para que possamos compreender alguma coisa que nos escapa e faz falta em nossas andanças pelo mundo. Sim, a vida é uma professora zelosa, e procura nos capacitar para cada passo que tenhamos que dar. Nem sempre temos noção daquilo que vivenciamos… algumas situações, se pudéssemos, evitaríamos. O que não é permitido, pois aquilo que para nós é uma tortura em determinado momento, será a chave de entendimento em uma situação futura…
Mas o que isso tem a ver com “identidades secretas”? Simples… ao mimetizarmos uma nova persona, criamos toda uma nova forma de agir, de sentir, de pensar. Uma pessoa que nos conhece em determinado momento e cruza com essa nova personalidade terá dificuldades em reconhecê-la. Porque em realidade ela nada tem a ver com o personagem do passado…
Mudamos de pele a todo instante e nossa personalidade varia de acordo com a situação, mesmo que não percebamos tal coisa… e isso é fácil de verificar… você age de forma diferente quando está no trabalho e quando está na igreja, por exemplo. É a mesma pessoa, só que a forma de se comportar, de agir, é totalmente diferente. E essa mudança pode ser radical, dependendo do local e da situação em que se encontra. Numa discussão, por exemplo… as pessoas mudam de tal forma quando irritadas que mesmo aqueles que vivem ao seu lado tem dificuldades em reconhece-las…
Todos nós temos segredos, que não compartilhamos com ninguém, por mais próximo de nós que sejam… esses compõem nossa verdadeira essência… dizem muito sobre nossa índole. Mas são tão fechados em nossa mente, que muitas vezes nem a própria pessoa tem noção daquilo que guarda em seu íntimo. E… sinceramente… é melhor que seja assim. Nem sempre é bom abrir a Caixa de Pandora… alguns segredos devem permanecer nas sombras, pois a verdade de cada um é muito relativa…
O fato de usarmos máscaras o tempo todo e termos várias identidades é necessário, principalmente, para nos resguardar de surpresas desagradáveis e proteger aqueles que amamos… mesmo que nem sempre seja fácil compreender tal linha de raciocínio…
