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Povo perdido com poder dos partidos políticos

Final de tarde em em Brasília, prédio do Congresso Nacional

Nesses dias atuais, aprendi que a letra fria da lei só tem valor se a sociedade a faz viver, se o texto da Constituição se converte em prática, e não em mera promessa.

Nossa Constituição Federal é clara: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).

Mas, na realidade, quem exerce o poder de fato não é o povo, e sim os partidos políticos — controlados por seus caciques, que decidem quem pode ou não disputar uma eleição. O cidadão brasileiro não escolhe livremente seus representantes. Ele apenas vota entre os nomes previamente selecionados pelas cúpulas partidárias.

O resultado disso é perverso: criamos uma democracia de fachada, em que o povo é chamado às urnas, mas não tem a verdadeira liberdade de escolher. Os partidos, com seu monopólio da candidatura, ergueram uma barreira artificial entre o povo e o poder, usurpando o protagonismo que a Constituição outorgou ao cidadão.

Nos últimos anos, esse poder cresceu a ponto de sobrepor-se ao poder popular. Hoje, os partidos decidem, controlam, financiam, distribuem tempo de televisão, manipulam coligações e determinam quais vozes chegam até o eleitor:

• A Constituição Federal (art. 17, caput e §1º) estabelece que apenas partidos políticos podem lançar candidatos, excluindo candidaturas avulsas.

• A Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições, art. 6º) disciplina coligações eleitorais, muitas vezes usadas como instrumentos de barganha de poder.

• O Fundo Partidário (Lei nº 9.096/1995, art. 38) e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C) concentram bilhões de reais, entregues às legendas conforme sua força no Congresso.

• O tempo de rádio e televisão é distribuído segundo a representação parlamentar de cada partido (Lei nº 9.504/1997, art. 47), perpetuando privilégios e limitando novas vozes.

O povo, que deveria ser a fonte originária do poder, torna-se espectador de um teatro em que os papéis já estão definidos pela legislação e pelos caciques partidários.

O voto livre, tão exaltado nos discursos, transformou-se em voto de cabresto moderno. Não mais imposto pelo coronel local, mas pela engrenagem partidária que, amparada por leis feitas sob medida, perpetua-se no poder e reduz a democracia a um ritual sem essência.

O Brasil precisa acordar. Precisamos questionar: que democracia é essa em que o povo, fonte originária de todo poder, é afastado do processo decisório em nome da conveniência de cúpulas partidárias? Até quando aceitaremos ser meros legitimadores de uma estrutura que serve mais à manutenção do poder do que à liberdade cidadã?

A saída está em retirar dos partidos o monopólio que hoje possuem e transferir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) as funções essenciais para garantir a lisura e a igualdade no processo democrático:

• O registro de candidaturas deveria ser competência direta da Justiça Eleitoral, permitindo inclusive candidaturas independentes, sem a necessidade de filiação partidária.

• O fundo eleitoral e partidário deveria ser administrado e distribuído pelo TSE de forma igualitária entre todos os candidatos aptos, evitando a concentração de recursos nas mãos de poucos.

• O tempo de rádio e televisão deveria ser organizado e sorteado pelo TSE, dando espaço equitativo a todos os concorrentes, independentemente da força parlamentar pré-existente.

• As coligações artificiais, que distorcem a vontade do eleitor, deveriam ser definitivamente vedadas, cabendo ao TSE fiscalizar e impedir fraudes à soberania popular.

Democracia não pode ser concessão dos partidos. Democracia é conquista do povo. É hora de reivindicar uma reforma política verdadeira, que devolva ao cidadão o direito de escolher sem amarras, que acabe com o monopólio partidário e que reconcilie a prática com o texto constitucional.

Se todo o poder emana do povo, como garante nossa Carta Magna, que assim seja — e não apenas nas palavras, mas nos fatos.

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Gilmar López é advogado

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