Notibras

Precisamos de poesia

Graças ao incentivo de uma amiga, comecei recentemente a ler e escrever poesia. Aos poucos fui explorando uns versinhos aqui, uns sonetos acolá, até que virou um hábito e não durmo mais sem antes me deleitar com a sofisticação técnica da poesia parnasiana, o sentimentalismo do romantismo, a crueza do realismo, o misticismo da poesia simbolista ou a ousadia do modernismo.

Com a prática, percebi que não basta a leitura, é necessário um esforço além para aproveitar tudo o que um texto poético tem para nos oferecer. Assim como malhamos o corpo em busca de um shape ideal, ou mudamos nossa alimentação para melhorar nossas taxas sanguíneas, acredito que ler e escrever poesia tem o poder de alterar fisicamente nosso corpo.

Para ler um poema, devemos olhar para o nosso interior, buscar como cada palavra, cada verso se conecta às nossas memórias, aos nossos sentimentos. Para escrever, é necessário fazer também o contrário e olhar para o exterior, observar os processos que regem a natureza, as relações, o mundo e, a partir dessa análise, elaborar metáforas. Uma vez desenvolvidas essas habilidades de observação, passamos a perceber o que antes nos escapava, como nessa história que compartilharei a seguir.

Outro dia estava na rua, em meio a uma estressante maratona de compromissos pessoais e comerciais, e deparei-me com um desses carros abandonados, que às vezes vemos por aí. O cenário é comum: carro velho, estacionado há anos no mesmo lugar, pneus baixos, retrovisores quebrados, tinta descascada pelo sol do Cerrado, dejetos de aves por toda a carroceria, enfim, todos os elementos para formar uma cena horrenda, não fosse o fato de o surrado carro estar parado embaixo de um ipê-amarelo no início do processo de desfloramento, gerando um espetáculo visual entre o contraste do cinza envelhecido da tintura e a cobertura amarela das centenas de flores que cobriam o carro.

Logo meus olhos de pretenso poeta me levaram a divagar sobre o panorama à minha frente: imaginei explicações surrealistas em que o ipê, motivado pela amizade de anos de convivência silenciosa, teve compaixão pelo amigo motorizado, compartilhando um pouco do seu próprio brilho ou que a planta extremamente ofendida pela feiura do companheiro que ousava, ano a ano, ofuscar a beleza de suas flores com toda aquela ferrugem, tentava desesperadamente esconder o colega inconveniente, para assim, quem sabe, deixar a rua mais atraente para os casais apaixonados tirarem fotos sob sua copa. Sem esforço consciente, associei o calhambeque a uma moça feia, que exagera na maquiagem tentando acompanhar a amiga formosa.

Como essa história me afetou? O fato é que. enquanto pensava nessas bobagens e em como isso poderia se traduzir em poesia, sorri sozinho, meu cérebro liberou endorfinas, fiquei relaxado. Naquele momento, fui feliz.

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