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Precisamos tocar na ferida da distribuição de renda até sangrar

Em um país onde a carga tributária recai desproporcionalmente sobre os mais pobres, falar em justiça fiscal é tocar diretamente na ferida da concentração de renda, do privilégio institucionalizado e da hipocrisia das elites que sempre se beneficiaram de um sistema construído para protegê-las.

Quem ganha até cinco mil reais por mês no Brasil não é rico. Na maioria das cidades, esse valor mal cobre as despesas básicas. Aluguel, alimentação, transporte, luz, gás, escola e remédio. Cinco mil reais pode parecer muito no papel, mas na prática, em um país onde tudo é caro e os serviços públicos estão precarizados, esse valor significa esforço, luta e sobrevivência. Isentar essa faixa do imposto de renda não é concessão, é admitir que não faz sentido cobrar mais do trabalhador do que se cobra de grandes empresários que lucram milhões com aplicações financeiras, dividendos e estruturas criadas justamente para burlar o peso dos impostos.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que não tributa dividendos. Isso significa, na prática, que quem vive de aplicações milionárias paga menos imposto do que quem trabalha com carteira assinada. O que se pede ao propor “rico tributado”, é a garantia de que quem lucra mais contribua mais. E que o Estado deixe de premiar a especulação e passe a valorizar o trabalhador.

Os críticos dessa proposta gostam de se esconder atrás de palavras como “populismo”, “radicalismo” ou “desmotivar o investimento”. Mas o verdadeiro radicalismo é manter um sistema regressivo, que taxa mais o consumo do que a renda, que pune quem ganha pouco e recompensa quem concentra riquezas. Um sistema em que uma diarista paga imposto ao comprar arroz e feijão, mas um milionário pode estruturar uma empresa para distribuir lucros e não pagar nada, isso sim é radical. E digo mais: é inaceitável.

A elite brasileira, historicamente, construiu uma blindagem em torno dos seus privilégios. E toda vez que se discute tributar grandes fortunas, heranças milionárias, lucros exorbitantes ou imóveis de altíssimo padrão, a resposta é sempre a mesma: chantagem econômica e o velho discurso de que “todos já pagam muito imposto”. Mas quem são esses “todos”? Certamente não são os que ganham até cinco mil reais. Esses pagam impostos em tudo o que consomem, em cada centavo movimentado. Os “todos” que eles dizem são, na verdade, uma minoria barulhenta, acostumada a mandar e mamar no dinheiro público congressista, financiar campanhas e escrever as leis em benefício próprio.

Isentar até cinco mil reais de imposto é mais do que aliviar a carga sobre o trabalhador. É uma forma de fortalecer o consumo interno, movimentar a economia e devolver dignidade para quem vive no sufoco mês após mês. A arrecadação perdida com essa isenção pode ser mais do que compensada com a taxação justa sobre os mais ricos. Afinal, o Brasil não é um país pobre. É um país rico com um povo empobrecido. A desigualdade não é fruto do acaso, é resultado de decisões políticas que favoreceram poucos às custas de muitos.

Num país em que a maioria vive com menos de dois salários mínimos, cobrar impostos de quem ganha até cinco mil é, no mínimo, cruel. E manter intocadas as grandes fortunas, é covardia institucional. A elite não quer perder privilégios. Mas o povo está cansado de carregar o sistema nas costas, e cada vez mais entende que justiça social começa por justiça tributária. A mudança é inevitável. Resta saber se virá pela consciência ou pela pressão.

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