Lorena é uma mulher do lar, recatada e prestativa vive a vida para cuidar da casa, dos filhos e do marido. Essa é sua função na vida, é o papel do sexo feminino no mundo. Por ser algo considerado normal ela não tem motivo para questioná-lo. A aceitação se torna simples.
Seu marido chama-se Leopoldo e é um homem tradicional. Assim como Lorena, Leopoldo entende que a mulher tem um único papel na vida, cuidar das coisas da casa. Com uma casa bagunçada e com as crianças mal-educadas a vida do homem seria muito complicada, assim pensa Leopoldo. O homem trabalha muito e precisa fazer dinheiro para sustentar a família agregar as tarefas domésticas seria algo impensável. Não é o caso de Leopoldo, que já está aposentado. O trabalho não é mais um fator determinante em seu papel de homem e de marido. Mesmo assim sua tradição diz que a mulher cuida da casa. E ele não ajuda em nada.
O casal tem dois filhos, Marcos e Dudu. São parecidos com o pai e não respeitam muito a opinião da mãe. Mesmo Lorena tendo criado os dois eles se sentiam superiores a ela. Pelo simples fato de serem homens eles só obedecem e escutam outros homens.
Lorena vive a vida sobre normas masculinas, um exemplo é que ela não pode sair de casa desacompanhada de um homem. Sem um homem ao seu lado vão pensar que ela está sozinha e talvez tentar assediá-la. Leopoldo não quer sua mulher sendo assediada e para não se desentender com os outros, por isso, proibiu a esposa de sair do lar. Ambos entendiam que os homens não têm muito controle sobre si em assuntos sexuais. Então evitaram essa situação decidindo que ela não saísse sozinha de casa. Foi imposto pelo marido até se tornar comum acordo, Lorena não teve muita escolha.
Depois da aposentadoria de Leopoldo, Lorena precisou cuidar da casa e do marido em tempo integral. Antes era mais fácil, ele ficava fora o dia todo e ela só precisava se preocupar com o marido na janta. Agora ele fica em casa esperando ser atendido na hora que quer. Já os filhos ficam fora pela manhã, horário do colégio. Vem para casa no almoço e a tarde passam vendo televisão ou na frente do computador.
Como Lorena é uma mulher muito recatada e obediente as tradições, ela só precisou se adequar e continuar em seu papel de mulher do lar. Limpa e cuida da casa há muito tempo e já sabe exatamente quanto tempo leva para acabar um serviço e começar outro. O almoço é posto na mesa ao meio-dia, então pela manhã limpa os quartos dos meninos. A janta é posta as sete e meia, então a tarde limpa a sala e a cozinha, as vezes o quarto do casal. Depois da janta pega a roupa da máquina e estende e põe mais uma leva para lavar.
Mora em uma casa com um pátio de tamanho médio, em um bairro de padrão médio e com vizinhos da classe média. Varre o pátio, a casa, a calçada e todo lugar que pertence ao terreno. Executa seu papel com maestria, deixa tudo brilhando e limpo. Leopoldo também cumpre seu papel com maestria, não faz nada o dia inteiro e deixa todas as tarefas domésticas para a esposa. Ele paga as contas com sua aposentadoria e essa tarefa para ele é a mais importante, sem isso nem teria casa para Lorena limpar.
A vida do casal é considera por eles mesmos como boa. Sempre há comida em casa e não falta nada para as crianças. No fim de semana saem para comer em um restaurante, tem um carro na garagem e Leopoldo é um marido provedor. Lorena se sente abençoada, podia viver uma vida bem pior e por isso se satisfaz com o que tem.
A vida sexual é comum, ela deixa o marido satisfeito e cumpre mais uma vez seu papel de mulher. Não sente prazer no sexo e não entende como algumas mulheres falam tanto em gostar de transar. Em sua cabeça o sexo é feito para o homem, por isso eles não conseguem se controlar perto de outra mulher. O prazer é masculino apenas.
A família é católica, mas nunca vão na igreja. As crianças não gostam de ler a bíblia e Leopoldo prefere ficar vendo TV do que ver o padre falar de Deus. Mesmo assim seguem algumas doutrinas dentro de casa. Quem mais precisa entender as doutrinas é Lorena. Os homens da casa cobram muito dela. O papel de mãe é fundamental no andamento da família.
Algumas doutrinas são: os homens bebem muito e as mulheres não podem beber para não envergonhar a família. Os homens falam muitos palavrões e as mulheres precisam se portar bem em frente aos demais. Enfim, regras precisam ser seguidas e Lorena não saia um milímetro para fora destes mandamentos. Quando tenta argumentar sempre é voto vencido, ela vive com três homens que não entendem a mulher.
A televisão mostra muitos visuais de países lindos, lugares paradisíacos com muita gente feliz e aproveitando cada momento. A novela mostra casamentos perfeitos com casais de pessoas lindas. Lorena vive todos os romances e viagens de dentro de casa. Esse é o momento em que ela pode sair da realidade, sem mesmo pôr o pé fora do pátio. Em sua cabeça ela as vezes namora muitos homens bonitos e está em lugares paradisíacos. Logo cai em si e se sente pecando contra sua família. Seu papel é de mãe e esposa, não tem o direito de querer viver momentos só seus.
Um dia Leopoldo decidiu que precisa por uma piscina no quintal. O vizinho que ele mais odeia comprou uma e todo santo dia as risadas de diversão vindas da casa ao lado lhe causam muita raiva. Ele decidiu que também teria uma piscina. Sem consultar ninguém fez toda a engenharia e comprou a tão desejada piscina. Como o inverno é muito gelado decidiu finalizar a obra mais próximo ao verão.
No período de calor a piscina está pronta e todos se divertem e se refrescam na época mais quente do ano. A piscina é um sucesso na casa e agora o vizinho já não parece tão bom assim. Leopoldo faz questão de gritar bem alto para o pessoal da casa ao lado saber que eles agora também têm uma piscina. Os meninos e Leopoldo passam o dia nadando e trazendo os amigos para se divertir. A piscina foi instalada há um bom tempo e Lorena ainda nem entrou nela. Fica o tempo todo servindo Leopoldo, os meninos e os amigos convidados para as festas. Para ela está tudo bem, não faz parte do papel da mulher e nem da mãe se divertir e deixar a família desassistida.
A manutenção da piscina precisa ser feita por alguém conhecedor e com experiência. Lorena até tentou ajudar, mas não tem muito conhecimento então Leopoldo chamou uma empresa especialista na questão. Chegou uma mulher de uns trinta anos para fazer o serviço, seu nome é Paula. Lorena viu Paula entrar em sua casa, é estranho nunca ficou sozinha com uma mulher em seu lar.
Logo as duas conversam sobre coisas da vida, uma certa ligação surge rapidamente. Toda semana Paula vai até a casa da família faz o trabalho, conversa por um tempo com Lorena e segue para outra casa. Lorena sente alegria quando Paula chega, ela fala sobre coisas do mundo lá fora e é tão livre! Uma mulher livre é algo novo e fora do papel tradicional que Lorena seguiu a vida toda.
Paula cobra da amiga uma posição quanto a poder fazer mais coisas fora de sua casa. Mas Lorena é uma contra três homens e a desproporção tira qualquer ímpeto de confrontar a situação. Além do mais Paula não é casada e não sabe qual o papel de uma mulher casada.
Na outra semana e Paula chega faz seu serviço e conversa com Lorena. Ela fala sobre sua preferência por se relacionar com outras mulheres. Diz que se sente muito mais à vontade em estar com uma mulher do que com um homem. Lorena entra em choque, nunca viu uma mulher que gostava de mulher ao invés de homens. Em sua casa só vão casais de homem e mulher. Até já viu Leopoldo resmungando em frente da televisão contra homens que namoram homens, ela acha que isso é coisa que acontece só na televisão. Nunca imaginou que isso seria uma coisa que acontece no mundo real.
Após a conversa Paula segue para outra casa e Lorena pensa sobre a relação entre mulheres o dia todo. Qual é o papel de uma mulher que está com outra mulher? Ela não vai ser mãe? Não vai casar? Deus enxerga tudo isso como? Sua ingenuidade é grande e mesmo assim sabe que não perguntaria nada disso para Leopoldo e nem para os filhos. Eles são grossos e não entendem nada além das coisas que vivem.
Lorena passa a semana esperando por Paula, quer entender mais sobre a opção da amiga em ficar somente com mulheres. No dia da limpeza da piscina Paula chega e faz seu trabalho, após trabalhar vai conversar com Lorena. Elas conversam sobre a opção de ficar só com mulheres. Lorena começa a sair do mundo da dúvida e entra no mundo do interesse. Desde o primeiro dia o vínculo dela com Paula foi bem forte. Talvez seja algo dentro dela querendo experimentar algo novo. Querendo romper com todo o papel que viveu até hoje. Rasgar o roteiro e encarnar um novo personagem.
A vontade é de uma pela outra, estão se olham e se desejam. Leopoldo não está em casa e o momento é ideal para experimentar. Ninguém precisa saber é só fazer e pronto. Depois não fariam mais nada. Aquele momento é especial, é perfeito e é único. Lorena nunca viveu um sentimento tão genuíno como esse. Todos os dias de sua vida somados não lhe trouxeram uma palpitação tão forte como o que esse momento trouxe. As duas se beijam de uma forma romântica. Um beijo igual os da novela, um beijo digno de final de filme. Após esse beijo fantástico Paula precisa ir, Lorena acha melhor ela ir mesmo. Logo Leopoldo chega em casa e estranharia tudo aquilo ali, ele é muito ressabiado.
Depois daquele beijo a vida recebe uma dose de valor, Lorena saiu pela primeira vez do papel que vive a vida toda. Não é mãe de Marcos e Dudu, não é mulher de Leopoldo ela é a amante apaixonada. Ela é a mulher transgressora das leis sagradas, a mulher que sente prazer em um beijo. Não há momento igual em sua vida de dona de casa. É como se a corrente que lhe prende quebrasse e a liberdade se apresentou em forma de mulher.
Toda essa sensação foi para cama com Lorena e com Leopoldo. Lorena conversa com seu parceiro sobre coisas além das tarefas domésticas. Ela quer mostrar a nova mulher que está se tornando. Achou que ele gostaria de conversar sobre outras coisas, Paula adora falar sobre tudo isso. Leopoldo não é igual a Paula e repreende a esposa de forma grosseira. A repreensão causa a quebra de todo encantamento que Lorena viveu naquele dia. Agindo como se fosse o antidoto da felicidade e no mesmo instante as correntes voltavam a prender Lorena.
As correntes desta prisão são as coisas que ela mais deve amar na vida. São a família, são o seu casamento e essas amarras que lhe prendem ao papel vivido a vida toda. Não tem como fugir dessa prisão, não tem como romper com as correntes.
Leopoldo entende que tudo isso é devido Lorena conversar muito com a nova limpadora de piscinas. Ele sabe que aquela mulher é muito livre e que está criando ideias erradas na cabeça de sua esposa. Mulheres livres são promiscuas e acabam se desvirtuando, Leopoldo não permite sua esposa se tornar uma mulher assim.
No dia seguinte ele ligou para a empresa de piscinas, falou sobre a forma equivocada que sua funcionária está agindo. Paula perdeu o emprego e nunca mais foi limpar a piscina na casa daquela família. Lorena se sente culpada por tudo o que aconteceu. Leopoldo diz que ideias como essas só causam intrigas nas famílias, fazem as mulheres quererem abandonar o marido e os filhos. Viver livre volta a ser um pecado, todo esse sentimento só causou mal às duas mulheres e ainda por cima iludiu Lorena.
A vida pacata e submissa é uma constante na vida da mulher e sair dela parece um desafio. A sociedade empurra novas obrigações e cada uma delas é na verdade uma amarra que mantém a vida uma prisão. Tudo que a mulher faz parece estar errado e é julgado pelos homens o tempo todo. Lorena viveu um momento de liberdade apenas, talvez nem fosse apaixonada por Paula. Ela se apaixona pela representação da mulher livre. Em seu amago tem a vontade de ser livre. Foi mãe muito jovem e desde então não vive a própria vida. Vive um personagem imposto pelas circunstâncias, vive um papel que nem pôde escolher. Assim muitas outras vivem. Diferente das novelas esse papel e esse personagem sofrem além da dramaturgia. Sofrem por não poder deixar de viver essa prisão que a vida se tornou.
Lorena olha todo dia para fora de casa e imagina como é ser livre, como é ser amada e como é sentir prazer em ser mulher.
