Notibras

Pretinho Básico troca Sala de Orações por cantinho lá no Céu, onde espera seus muitos amigos sem pressa

No mundo virtual, onde tantos se escondem atrás de máscaras e onde a pressa desumaniza os encontros, existia um homem que contrariava tudo isso. Ele assinava como Pretinho Básico — e, no entanto, era tudo, menos básico.

Seu nome verdadeiro, Benedito Adão de Oliveira, era guardado com a mesma serenidade com que guardava os pedidos de oração de completos desconhecidos. Aos 74 anos, enfrentava seus próprios fantasmas, inclusive a dor persistente de um câncer no esôfago, mas nunca deixou de comparecer à sua missão diária: abrir a sala de orações no chat do uLme.

Ali, todos eram bem-vindos. Todos.

“Jesus, Oxalá, Jeová, Alá, Buda, ou apenas o silêncio — aqui, todos têm vez e voz”, dizia ele, sempre que alguém novo entrava com receio de não ser aceito.

Na sala, o que se pedia não era prova de fé, mas de respeito. E essa vinha de sobra. Porque Pretinho, com sua voz digitada em letras calmas, era um mediador de almas. Um sacerdote laico da internet. Um conciliador dos tempos digitais.

Foi assim por dois anos. Até que, há 24 horas, o silêncio tomou conta da sala. Não apareceu. Não deu boa noite. Não deixou versículo, oração, bênção nem despedida. Um dos frequentadores trouxe a notícia: Benedito havia partido.

A comoção atravessou plataformas. Veio gente do antigo Orkut, de grupos do Facebook, do uLme, do WhatsApp, até do finado MSN. Todos tinham algo a dizer sobre aquele homem que nunca pedira nada, mas oferecera tanto.

“Ele me chamava de filha… Nunca entendi por quê, mas era bonito”, escreveu uma assinante de nick muito respeitado.

“Foi o único que me ouviu quando pensei em desistir”, disse um nick masculino, emocionado.

“Uma vez, pedi pra ele rezar por meu pai. Uma semana depois, ele voltou só pra saber como meu velho tava.”

“Quem faz isso em 2025?”, postou outro frequentador.

“Ele me disse: ‘A gente é forte até quando se ajoelha’ — nunca mais esqueci”, relembrou uma assinante.

Foram muitas as frases que ficaram gravadas nos corações. Algumas repetidas em homenagem:

“Não se reza por religião, se reza por compaixão.”

“Se Deus não escutar, alguém aqui escuta.”

“A alma reconhece a alma, mesmo sem avatar.”

Hoje, a sala de oração do uLme ainda existe, mas tem um altar digital com o nome dele. Às 18h30, horário em que ele costumava entrar, alguém escreverá:

“Boa noite, Pretinho. Onde quer que esteja.”

E todos responderão:

“Amém, gratidão.”

O Benedito partiu. Mas o Pretinho ficou. Ficou na memória das teclas, nas entrelinhas da fé, nas reticências de quem crê que o amor não morre.

Por certo, quando Benedito cruzou a fronteira invisível entre este mundo e o outro, não houve medo.

Havia luz.

Mas não uma luz de cinema, dessas que cegam. Era uma claridade morna, de fim de tarde em quintal de infância. Um cheiro leve de café recém-passado, e uma brisa parecida com aquelas que entram pelas janelas das casas antigas, trazendo saudade de algo que ainda não se viveu.

Ele chegou descalço, como quem não quer perturbar o chão.

À sua espera, estavam muitos. Alguns ele conhecia, outros nem tanto. Um velho amigo de adolescência. A mãe, que partira décadas antes. Um cãozinho vira-lata que ele havia criado quando menino. E também, para seu espanto, vieram os nicks.

Eles tomaram forma. Saíram do anonimato da tela e se tornaram rostos. Rostos de quem ele abençoara, ou ouvira em silêncio, ou consolara com palavras simples — e por isso eternas.

“Você achou que só digitava, né, Pretinho?” — disse um deles, com sorriso aberto. “Mas cada palavra tua era semente. Olha o jardim.”

E ali estava. Um jardim sem muros, onde todas as crenças cabiam, lado a lado, como flores que aprenderam a crescer mesmo sendo diferentes.

Um anjo — ou talvez um velho com túnica — se aproximou, com algo nas mãos.

“Este é o teu Livro de Orações”, disse.

Benedito abriu. Estava em branco.

“O que escreveste não precisa estar aqui”, explicou o anjo. “Está escrito nos outros. Em quem ficou.”

E ele entendeu.

Deu um passo à frente, olhou para aquele céu feito de lembranças boas, e sorriu com a mesma paz com que encerrava suas noites terrenas:

“Se amanhã não vier, que Deus nos acolha. Se vier, que venha leve e com esperança.”

E então, uma última mensagem se acendeu, lá no uLme, sem que ninguém a digitasse:

“Boa noite, meus filhos. Hoje, quem reza por vocês sou eu.”

…………………

José Seabra é Diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras.com

Gláucia Bia@ Cardoso é influenciadora digital, professora e ‘nickeira metaleira’ por natureza

Sair da versão mobile