Ao contrário das mulheres, que acordam naqueles dias, os homens costumam acordar em um dia daqueles. Quando isso ocorre, sai debaixo porque o que está para acontecer já está acontecendo. É o meu caso. Estupefacto (é assim que escrevem os portugueses) e nauseabundo com os políticos brasileiros, particularmente com um tal que chamam de mito, despertei madrugada passada disposto a me transformar em consultor sexual, palestrante gourmet, mestre em corte e costura, alfaiate de rabos de saia ou, na pior das hipóteses, porteiro de uma dessas proeminentes casas de entretenimento adulto. Fui salvo pelo gongo de um desses amigos notívagos, também conhecidos por empata os rala e rolas madrugadores.
Não foi o caso. Engenheiro e poeta de obras prontas, o amigo só queria desabafar, após mais um entrevero familiar. De pronto, perguntei o que ele fazia àquela hora do dia: “Estou fazendo um trabalho sobre o tratamento acquatérmico da cerâmica, vidro e metais em um ambiente de tensão”. Avesso a eufemismos, impressionado com a frase e preocupado com o futuro do sujeito, pedi mais detalhes sobre o ocorrido, de modo a tentar captar o verdadeiro motivo da ligação. A explicação de que estava lavando louça com água quente, sob a severa supervisão da esposa me tranquilizou, embora tenha despertado em mim uma curiosidade antiga e nunca sanada.
Acordei disposto a afastar o mau humor e decidido a buscar respostas para a necessidade tupiniquim de se fartar do uso de nomes mais pomposos para coisas e profissões com denominações menos valorosas, mas não menos dignas. São aquelas que estão no mapa, mas que são mapeadas jocosamente. Por exemplo, convivo com fartura de mulheres, com as quais já “visitei” numerosas vezes o ginecologista. Tenho restrições ao que ele faz, mas nem por isso o apelidei sacanamente de Espião da Casa Sombria e Aquecida do Pica-pau. Também em nome do respeito, jamais chamaria minha secretária de Técnica Administrativa Empresarial. Já basta ter de chamar o gordo de parrudo e o careca de desprovido de pelos fluvianos.
Aliás, mais do que palhaçada, soaria como o fim do mundo se publicassem um glossário com novas denominações para profissionais. Não passa pela minha cabeça ser obrigado a adjetivar o taxista de Técnico de Transporte de Passageiros em Veículo Ligeiro, tampouco o açougueiro de Engenheiro Físico Vertente de Cortes de Tecido Animal. Ainda mais ridículo seria substituir o faxineiro por Supervisor Geral de Bem-Estar, Higiene e Saúde, o vigia por Oficial Coordenador de Movimentação Noturna, o importante limpador de banheiros por Diretor de Fluxos e Saneamento de Áreas Internas, o insubstituível coveiro por Técnico em Gestão Humana e Armazenamento em Estado Inoperante e o vendedor de picolé por Empreendedor de Produtos à Base de Laticínio Conservado a Frio.
Se a sugestão do humorista Tiago Dionísio chegasse à nossa queridíssima ex-presidenta Dilma Rousseff, com certeza teríamos uma nova ordem ortográfica para velhas profissões. A vidente passaria a ser conhecida por Consultora de Assuntos Gerais e Não Específicos. O distribuidor de santinhos nas esquinas viraria Técnico de Marketing Direcionado, enquanto o sempre perseguido porteiro teria como denominação o labutário Coordenador de Movimentação Interna. E o motorista de ônibus? Esse se transformaria em Distribuidor de Recursos Humanos. Menos mal, como menos jocoso seria a troca do cargo de gari para a função de Técnico Saneador de Vias Públicas.
Não gosto da ideia, mas, sinceramente, aprovaria se mudassem para melhor as denominações dos camelôs, das prostitutas, dos travestis e dos ladrões. A cognominação desse pessoal poderia ser, pela ordem, Distribuidor de Produtos Alternativos e de Alta Rotatividade, Especialista em Entretenimento Masculino Sênior, Dublê de Especialista em Entretenimento Masculino Sênior e Técnico em Redistribuição de Renda Alheia. Certamente a designação para antigos políticos não chegaria sequer a ser discutida em uma comissão permanente. Se fosse, não tenho dúvida de que o Supremo julgaria inconstitucional. Afinal, não é de bom alvitre votar em um Consultor Fedapê de Sacanagens Ocultas.
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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras
