Meu domingo começou cedo, o dia prometia ser ensolarado. Peguei o carro e saí. De uns meses para cá, visito meus pais aos domingos. Passo na padaria que eles gostam, levo umas coisas especiais e tomamos café da manhã juntos.
O que eram para ser momentos alegres têm se tornado fonte de estresse. Mamãe, com sua lentidão e suas mãos frágeis, colocava os pratos na mesa. Não raro, se atrapalhava e causava algum pequeno acidente. Desta vez, derrubou um prato bonito, que usava esporadicamente. Vendo a situação, falei firme, porém com impaciência:
— Mãe, deixa que eu ajudo!
Ela aceitou sem questionar, olhando para mim com resignação como se estivesse se desculpando. Esse olhar cortou meu coração. Ultimamente tenho, com frequência, me sentido um covarde: homem adulto que sou, não controlo meus impulsos de grosseria e impaciência com meus pais.
O passar dos anos trouxe a ambos fragilidades que só aumentavam. A cada domingo que nos víamos, percebia que não era somente o físico deles que envelhecia; era lentidão nas respostas, esquecimentos contínuos de coisas básicas do dia a dia, contavam repetitivamente histórias que me cansavam, pequenas manias irritantes, teimosia… Estavam cada vez mais vulneráveis, e um tanto difíceis também, não aceitavam ajuda de terceiros em casa, o que dificultava a situação. Essa realidade não parecia um ciclo passageiro. Sentia-me desgastado e irritado. Era clara a necessidade de eu estar mais próximo. E eu, um babaca egoísta, olhando para o meu próprio umbigo, pensando nos meus domingos que não são mais meus.
Depois do nosso café da manhã, meu pai e eu nos sentamos para ver seu programa de tv costumeiro. A estante da sala era cheia de bibelôs e coisas que minha mãe adorava: lembranças de festas e viagens, livros, fotos da família. A foto destaque é um retrato meu ainda criança, ao lado de meus pais abraçados, felizes, em um passeio na Quinta da Boa Vista. Por algum motivo, olhei aquela foto que sempre foi invisível aos meus olhos e pensei: “Que pessoa estou me tornando? O cuidado e a paciência que me dedicaram em minhas fases difíceis, nem de longe estão recebendo de volta.”
À tarde, voltando para casa e ruminando minha postura de irritações e impaciências, bateu culpa e vergonha de como tenho agido com eles. Preciso rever minhas atitudes, tratar meu emocional. Meus pais precisam do filho inteiro, do filho parceiro e amoroso, não do filho que se irrita com a mãe que derruba um prato. A fragilidade deles é uma realidade que não vai mudar mais. Quero ser o filho que os façam se sentir amparados e confiantes, não que fiquem condicionados a serem úteis e vigorosos para serem queridos por mim.
Esses pensamentos me fizeram entender que, na verdade, eu estou precisando mais de ajuda do que eles. Preciso amadurecer, aceitar o envelhecimento de meus pais e dar apoio com afeto, com respeito. Preciso me fortalecer, ser mais compreensivo. O que estou vivendo é parte da vida de todo filho que tem pais idosos, e se eu não mudar, minha impaciência se tornará um abismo entre nós.
Quando vejo meus amados pais em seus desafios da idade, preciso colocar na prática o que meu coração sabe: ser filho é amar e respeitar seus pais também quando a vida deles se torna difícil. Na verdade, essa dificuldade existe para mim, não para eles. A questão é: o que a cabeça sabe, as atitudes não estão de acordo! Por que tanta dificuldade em fazer diferente, sou um hipócrita?
Chegando em casa, com a cabeça um pouco mais fria, tomei um banho, coloquei meu pijama velho, fiz um café e me larguei no sofá. Peguei o telefone e mandei um zap para minha amiga do trabalho.
— Fala aí Flavinha! Aquela psicóloga que você diz que é maneira e te atende na hora do almoço… passa o contato dela!
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Fabiana Saka (@fabianasaka), escritora e psicóloga clínica no Rio de Janeiro, é autora de “As Aventuras de Daniel – não tenha medo de si mesmo” (Ed. Ases da Literatura, 2024).
