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Quando o Lado Esquerdo Também Respira: Fragmentos da Vida que Observamos

Há leituras que não entram pelos olhos entram pela estrutura política da existência. São textos que atravessam o corpo antes de atravessarem a página. É o caso de O Lado Esquerdo Luta e Amor: um título que, por si só, já funciona como uma hipótese antropológica, um enigma social e um convite ao pensamento. Ele nos obriga a perguntar onde repousa o centro da nossa vida: no enfrentamento ou no afeto? Na política ou naquilo que ela tenta proteger?

Quando pensamos na experiência de ler, percebemos que não estamos diante de uma prática individual, mas de um fenômeno social. A leitura cria comunidade, produz sentidos compartilhados, fabrica memórias coletivas, mesmo quando feita em silêncio. Ler é, inevitavelmente, se deslocar para dentro e para fora ao mesmo tempo. É observar o mundo enquanto ele nos observa de volta.

Escrever, por sua vez, é uma tentativa de não desaparecer. É uma arqueologia do vivido. É transformar dor, teoria, cotidiano e gesto em linguagem. É produzir, sobre nós mesmos, uma etnografia possível.

Por isso livros como O Lado Esquerdo Luta e Amor não são só livros: são dispositivos políticos. Eles nos lembram que a luta não nasce apenas da ideologia, mas da necessidade; e que o amor não é apenas afeto íntimo, mas adesão radical à humanidade do outro. Quando a esquerda respira e não apenas argumenta ela se torna ética antes de se tornar bandeira.

Há uma camada da vida que a leitura revela melhor do que qualquer discurso: a percepção de que não existe neutralidade possível quando se fala de mundo. Até o silêncio tem posição. Toda interpretação é um posicionamento. Toda escolha estética é também uma escolha política. E é por isso que textos que combinam luta e amor não descrevem uma dualidade: descrevem uma fusão.

Não existe amor sem consciência. Não existe luta sem vínculo. Não existe escrita sem ferida. Não existe leitura sem transformação.

Quando afirmamos que o lado esquerdo respira, estamos dizendo que existe ali uma vitalidade que ultrapassa os debates formais. É um organismo vivo, alimentado por histórias, corpos, memórias de opressão e pequenas revoluções cotidianas. É o território onde o político e o íntimo se reconhecem como parte da mesma paisagem.

Nós, que lemos e escrevemos, sabemos que essa paisagem nunca é neutra. Ela tem cheiro, tem clima, tem cicatriz. Ela é feita dos pedaços que sobrevivemos.

E talvez seja por isso que certos livros encontram exatamente a gente, no exato momento em que estávamos tentando nos recuperar da própria existência. Eles não chegam para nos consolar; chegam para nos realinhar. Para nos devolver ao eixo de quem ainda acredita que mudar o mundo é possível nem que seja uma frase por vez.

No fim, é isso que O Lado Esquerdo Luta e Amor faz: nos lembra que a luta precisa de ternura para não virar desespero, e que o amor precisa de consciência para não virar ingenuidade.

É assim que seguimos, lendo e escrevendo, tentando registrar aquilo que a vida insiste em nos ensinar: que toda transformação começa quando entendemos que o mundo também é um texto e que cabe a nós reescrevê-lo.

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