Entre a pilha de louça e a meia suja caída no canto, Ele apareceu.
Não de túnica, nem cercado por anjos barrocos.
Veio simples. Com cheiro de café requentado e paciência.
Enquanto eu chorava baixinho, achando que ninguém via, Ele colocou uma música na minha alma. Daquelas sem letra, só ritmo. Um compasso suave, como se dissesse:
“Eu sei que você tá cansada, mas ainda tô aqui. Dança comigo.”
Não sou mulher de ver anjos na parede. Nunca tive visões nem fui escolhida pra grandes ministérios. Mas tenho fé. Uma fé torta, cansada, cheia de vírgulas. Uma fé que às vezes duvida, mas nunca desiste.
E é essa fé que me mantém de pé quando tudo desanda.
Outro dia, uma amiga me disse:
Você parece tão forte…
Sorri. Mas por dentro eu só queria dormir três dias seguidos e acordar sem lembrança de dor.
A verdade é que a gente performa força porque ser fraca não paga os boletos.
A gente sorri no Instagram, ora no banheiro, respira fundo no ônibus lotado e segue.
Mas por dentro, muitas de nós estamos em ruínas.
E mesmo assim… dançando.
Nos estudos, li que a espiritualidade é um dos principais suportes psíquicos em contextos de sofrimento. Não é religião, é refúgio. É laço com o invisível.
A fé, do ponto de vista da antropologia, é linguagem.
Do ponto de vista da dor, é sobrevivência.
Deus, pra mim, não está só no culto ou na igreja de sábado.
Está na água quente do banho quando tudo que eu queria era sumir.
Está no silêncio de uma manhã de segunda, quando ninguém me exige nada.
Está na vizinha que me oferece um pedaço de bolo sem saber que foi o único gesto de afeto do meu dia.
Às vezes me pergunto se Ele não sente vergonha desse mundo com tanta guerra, tanta indiferença, tanta tristeza disfarçada de normalidade.
Mas aí lembro que Deus é movimento.
E quem dança não desiste fácil.
Então sigo.
Entre a loucura e a esperança.
Entre a solidão e o cuidado.
Entre o peso de existir e o alívio de saber que, mesmo quando tudo parece parado, Ele ainda dança.
A dor não tem última palavra.
O caos não é o fim.
A vassoura, o lápis, o feijão no fogo… tudo é liturgia quando se tem o coração acordado.
Porque, no fim, a espiritualidade é isso:
Um gesto pequeno com sentido profundo.
Um passo de dança no meio da bagunça.
Um ponto de vista sobre o que não se vê, mas se sente.
