Partidas e chegadas são momentos decisivos de uma viagem chamada viver. Em cada despedida, apenas o ácido sabor de presenças que suavemente se esvaem. Em cada encontro, milhões de doces expectativas. Idas e vindas, uma espiral sem fim. Assim é a vida. Ela é um fluxo contínuo a nos ensinar sobre desapego, a importância das conexões e, principalmente, a beleza de viver o presente, pois nada é permanente, mas cada fase molda quem somos. Não há transição que não implique um ponto de partida, um processo e um ponto de chegada. Em minha travessia para o centro do poder, minha única certeza era que, entre os que partem e os que chegam, as histórias só se completam com quem faz parada. Eu fiz. E faz hoje (27/12) 40 anos.
Montado na garupa de um dos antigos transportadores de sonhos da Itapemirim, com a cara e pouca coragem, cheguei, vi e fiquei. Foi um dos mais longos roteiros de minha jornada. Recepcionado por um estranho que, em tempo recorde, se transformou no amigo, irmão, padrinho, diretor e parceiro de todas as horas, ouvi de José Seabra Neto, o pioneiro da amizade candanga, que seria uma viagem sem volta. Dando de ombros, afirmei que estava em Brasília apenas para uma rápida chuva. Da Rodoferroviária até o então Hotel Nikkey, hoje Garvey, imaginei uma eternidade. Seis meses após arrumar diariamente as malas, aportei na Cidade Maravilhosa para visitar a família. De repente, me vi no meio de uma multidão enlouquecida.
De imediato, me lembrei da calmaria da Capital e, silenciosamente, disse: – “Não quero isso para mim”. Nunca mais pensei em voltar ao Rio para morar. O Rio de Janeiro, especialmente Realengo e Campo Grande, continuam presos à alma e guardadinho no coração. Não volto, mas não os deixo. A família, os amigos de sempre, as esquinas, o mar, a montanha, o trem da Central do Brasil, Madureira, Cascadura, o subúrbio inteiro, as convergências das avenidas Suburbana, 24 de Maio e Presidente Vargas, Maracanã, Flamengo, Petrópolis, Região dos Lagos, conjuntos habitacionais, Saúde, São Cristóvão e Quinta da Boa Vista. Enfim, tudo está vivo na pródiga lembrança.
Em 1986, o Distrito Federal, com pouco mais de 500 mil habitantes, ainda parecia uma província. Sucumbi às tesourinhas, à beleza das árvores, aos chamados balões e aos olhos verdes de dona Kátia Regina do Nascimento, hoje Cardoso, mãe de minhas filhas, avó de meus netos e mulher de todos os meus dias. Embora momentâneo, o susto ficou por conta da nomenclatura das quadras, avenidas e eixos do Plano Piloto. Ainda que dispensasse o aconchego do ombro e os embargos auriculares sussurrantes, me acalentava a presença dos amigos que impus a meu contratante, intermediado pelo eterno Oséas de Carvalho. Da chamada Legião Estrangeira, restam apenas dois: eu e meu nobre e querido Ricardo Olho Vivo, o repórter que abriu mão de ser prefeito de Niterói para comigo se aventurar na Capital da República.
Adão Nascimento, Roberto, Márcio, Amado Ribeiro e Wanderley ficaram pelo caminho. Amado deve estar produzindo títulos brilhantes para São Pedro. Dos demais, nada sei. Por motivos que desconheço, talvez não tenham tido o mesmo arrojo e a bravura que eu e Ricardo Nobre tivemos. Considerando o tempo já vivido, sou mais brasiliense do que carioca. Por aqui, cultivei amizades, enfrentei e venci desafios e atingi posições pessoais e profissionais jamais imaginadas. Entender que a vida é feita de ciclos me garantiu a paz diante de tudo que chega e de tudo que se vai, inclusive o sucesso efêmero. Pisando firme na terra vermelha da Capital, descobri rapidamente que, para alcançar o impossível, é preciso desbravar o desconhecido. Foi o que fiz no jornalismo, no Governo Central e nos três tribunais superiores pelos quais passei. Buscando as verdades do romancista francês Victor Hugo, lembrei que o futuro tem muitos nomes. Chamei o meu de oportunidade.
Sabedor de que a vida é feita de escolhas, eu escolhi vencer. Não com o propósito de fazer dinheiro, mas de fazer história, de me estabelecer como cidadão, de criar uma família e de enfileirar amigos. Mais uma vez, foi o que decidi fazer ao longo desses 40 anos. Os muitos amigos que aqui fiz não existem somente em meu coração. Eles fazem parte de minha vida. Afinal, o que seriam das partidas se não fossem as chegadas. A minha me apresentou, além dos já citados, meus irmãos e compadres Gerson Gonçalves, Valdir de Camargo e Paulo Roberto Gonçalves, meus parceiros Paulo Cotta, Stênio Ribeiro, Luiz Antônio, Maurício Cardoso, Valdemiro Schneider e Deus, o maior deles e com o qual me habituei a conversar e aprendi a mudar meu jeito de falar com as pessoas. Resta muito pouco do romantismo e do provincialismo da Brasília que encontrei no dia 27 de dezembro de 1985.
Por culpa de um governante populista que resolveu doar terrenos em troca de votos, Brasília perdeu parte de seus encantos. Junto da Bi Ba Bô, da Fofi, do Pontão, do Xadrezinho, do Pedalinho, da Piscina de Ondas e do Pelezão, também desapareceram Renato Russo, Cássia Eller, Gervásio Baptista, Roberto Aguiar, Sepúlveda Pertence, Andrade Junior, Lulu Landwehr, a última sobrevivente do Holocausto, e Newton Cruz, o general que me pôs diante de minha prova de fogo em Brasília. Prestes a completar um ano na cidade, participei do dia em que a Esplanada dos Ministérios se tornou palco do “Badernaço”, o maior descontrole popular e um dos confrontos mais emblemáticos de Brasília e do país. Assim como tivemos o ano que não acabou, semanticamente aquele foi o dia que não acabou. Vivíamos o governo de José Sarney. Há escolhas que são como portas que só abrimos uma vez. Brasília me escolheu. Me perdoem a pressa, mas, depois de Luiz Inácio, de quem mais posso falar? As eleições de 2026 me responderão.
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Armando Cardoso é presidente do Conselho Editorial de Notibras
