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Quem é você?

Através da minha escrita vocês puderam conhecer um pouco, muito pouco mesmo, da luta das mulheres que passaram e ainda passam pela minha vida.

Isso não significa, no entanto, que eu não reconheça a importância dos homens que fizeram e fazem parte dela.

Claro, sendo eu uma mulher, sabemos que o peso é outro.

Passei grande parte da minha vida sob as ordens masculinas, meu pai e posteriormente meu marido.

Ao entrar pela primeira vez em um consultório de psicoterapia corporal, a terapeuta me fez a seguinte pergunta:

__ Quem é a Mércia?

__ Eu sou uma mulher casada, tenho três filhos lindos, sou cabeleireira e, bom, é só isso.

Ao que ela me corrigiu instantaneamente.

__ Não é só isso, tudo isso é muita coisa, no entanto, eu perguntei, quem é a Mércia, não o que você faz, mas quem é a pessoa Mércia?

Confesso a vocês que, dez anos depois e vez ou outra, me pego fazendo essa pergunta a mim quando percebo que estou vivendo no automático da vida.

E foi essa a pergunta que me acordou e iniciou em mim um processo de busca interior e de aprendizado sobre se o que faço é por mim, ou por que as regras são que mulheres são para servir.

Parte dessa história vocês conhecem, e eu fiz a tão sonhada tatuagem de borboleta devido às lendas que a cercam e que me encantam como mulher literária, e, claro, partir para as minhas trilhas, as longas caminhadas montanha acima.

O prazer de ser você mesmo é único e indescritível, a cada trilha, eu chegava em casa empolgadíssima como se tivesse conquistado um grande prêmio.

Em um desses dias, um domingo à tarde, reunida na casa dos meus pais, tomando minha cerveja com minha irmã e minha filha, eu contava detalhadamente meus passeios por Capitólio, aquele brilho no olhar, aquela alegria e paixão, quando vi o olhar do meu pai empolgado.

Aquela velha história de que alguns pais realizam seus sonhos através dos filhos? Esse olhar.

__ Queria fazer uma trilha também, pai? Perguntei no impulso.

Ele sacudiu a cabeça como se jogasse fora os pensamentos, sorriu e disse:

__ Ah, quando eu era jovem, eu também queria fazer essas coisas.

__ Vamos fazer. Eu disse.

__ Ah, não, agora estou velho.

Deixei pra lá, retornando a minha cerveja e conversa rotineira ao redor da mesa.

Dias depois, sozinha com ele na sala, perguntei se gostava de passear, se tinha vontade de subir montanhas.

Vi nos olhos dele o brilho que faz parte dos meus.

__ Ah, sim, quando eu era jovem, eu tinha muitos sonhos, eu adorava ver uma montanha e tinha muita vontade de subir nelas, ficava fascinado com as histórias dos homens que as escalavam, mas não deu.

Aprendi naquele momento a ser grata ao meu pai, aquele olhar de admiração no meio da cozinha ao ouvir minhas conquistas ao cume era muito mais que apenas realizar um sonho através de outra pessoa, entendi ali que, para criar seis filhos, mesmo com seus erros, ele renunciou a sonhos também, e que talvez isso tenha tido um alto preço.

Talvez tudo aquilo que julguei fosse também suas dores pelo preço de desistir de ser quem é, com seus erros e acertos, cumpriu sua missão de pai.

Dias depois, meu ex-marido decidiu me ofender e usou a seguinte frase:

__ Você é igual a seu pai.

__ Eu sei, que bom. Foi a única resposta que eu dei.

Passei a ter orgulho da minha história, inclusive respeito pelos momentos difíceis.

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