Estou de atestado. Torcicolo. Parece até nome de prato requintado: “Hoje o chef recomenda um suculento torcicolo ao molho pimenta-do-reino”. Mas, na prática, é só uma dor lancinante que me impede de virar o pescoço como um ser humano normal. Fui ao pronto-socorro com a cabeça meio torta, parecendo uma estátua de argila que secou antes da hora. O médico, com toda a serenidade que só ele tem (e eu não), disse: “Repouso. Três dias, no mínimo.”
Três dias! Quem dera eu pudesse recebê-los como um presente do universo. Mas, confesso, em vez de aproveitar esse tempo para me recuperar em paz, estou aqui… me sentindo culpada. Como se estivesse cometendo um crime hediondo contra a produtividade nacional. O Brasil em crise e eu aqui, com o pescoço em modo travado e a consciência pesada.
E o mais curioso: não tenho nenhuma demanda urgente no trabalho. Nada pegando fogo. Ninguém me esperando com planilhas na mão ou relatórios por revisar. O mundo, aparentemente, segue girando sem a minha presença ativa. Mas, mesmo assim, lá está ela: a culpa. Aquela vozinha incômoda sussurrando: “Você está em casa. Sem produzir. Você está… inútil.”
De onde vem isso, hein? Quem foi que inventou essa lógica absurda de que só tem valor quem está de pé às sete da manhã com a xícara de café numa mão e o notebook na outra? A resposta, meus amigos, tem nome, sobrenome e um plano de carreira muito bem estruturado: sistema capitalista. Ele, que nos ensina desde cedo que descansar é sinônimo de preguiça, que cuidar de si é coisa de gente fraca, que só quem produz é digno de reconhecimento; mesmo que esteja produzindo com o pescoço virado pro lado.
É por isso que, mesmo com um músculo cervical pedindo socorro, eu fico me martirizando por estar em casa, quieta, imóvel, tentando me curar. Porque fomos domesticados pra acreditar que adoecer é falhar. Que repousar é se ausentar da vida. Que estar indisponível é falta de comprometimento.
Pois hoje, com compressa no pescoço e colar cervical, eu me rebelo. Ainda meio torta, mas rebelde. Porque se o mundo quer girar, que gire. Eu, por enquanto, fico aqui. Em repouso. E sem culpa, ou pelo menos tentando.
