Sob os ladrilhos reluzentes diante de uma noite chuvosa, em meio a penumbra presente na esquina da Rua das Tentações, Redcap, como era chamado Rafael, pensava sobre a sua vida até então vivida. A vida que como um sopro atravessou gerações, guerras, epidemias, revoluções de todos os tipos.
Redcap não imaginava que se sentiria tão infeliz até a chegada daquele momento. A madrugada de 17 de julho de 2025. Uma madrugada solitária, silenciosa, exceto pelo som do chuvisco que caía sobre as calçadas, ruas, avenidas e vielas. Poucos postes de luz no local. Um cheiro repugnante de urina e cerveja. Sombras de todos os tipos faziam-se presentes, homenageando a penumbra outrora citada. Sombras do passado, do presente e, talvez, de um futuro.
Naquela noite sem fim, onde completava seus 30 anos de vida neste planeta azul, ele tentava acender um cigarro em meio a umidade local. Falhou nove vezes. Assim como falhou com seu trabalho, suas amizades, sua família, sua noiva, e por último, consigo mesmo.
Redcap era morno, no sentido mais figurado que a palavra pudesse expressar. Morno é aquela figura medíocre, já dizia seu avô. Não andava para frente, mas também não recuava. Ajudava os outros, mas nem sempre. Trabalhava, mas não é especial no que faz. Estudava, mas seu desempenho era apenas “ok”. Aplicando esta mesma comparação com as falhas de Redcap, entendemos que ele apenas carregava consigo o peso de não ser visto de maneira diferente em nada , seja no amor, no dinheiro, no serviço, nos laços com os outros. Apenas um cara razoável.
Você deve estar se perguntando porque Rafael é chamado de Redcap. É um apelido bobo, mas acabou perdurando e virou sua marca registrada. Quando ele tinha 10 anos, decidiu que estava crescido demais e queria se diferenciar dos outros, que na escola usavam o mesmo corte de cabelo, tinham a mesma cor de pele e falavam sobre as mesmas coisas. Inocentemente, o garoto decidiu usar um boné vermelho, com um símbolo da empresa que produzia aquele produto na traseira (perto do regulador). Ocorre que Redcap não desistiu dessa ideia, e mesmo com os apelidos, continuava a usar o mesmo boné até os dias atuais.
Naquela madrugada, pela primeira vez, ele cedeu as suas emoções mais profundas e chorou. Mas como chovia, não eram lágrimas, dizia. Lembrava do seu passado e como lhe doía a solidão entre pessoas. Estar diante de tanta gente, em meio ao centro da cidade carioca, e ainda assim, perdurar por aquelas bandas até ser o último a ficar. Vagar sozinho pelas ruelas, como se uma entidade fosse. Era estranho aquele vácuo de inexistência de importância.
Não tinha medo. Não tinha pavor. Nada mais lhe afetava. O vazio das palavras não ditas, dos sentimentos não vividos, das angústias mal resolvidas e dos excessos que se arrependeu, faziam estrondos em sua mente. Ele temia dormir, porque não conseguiria. Por isso, como continuaria por ali, decidiu acender o décimo cigarro. Uma falha a mais não faria diferença.
Enquanto tentava, identificou um assobio. Um barulho leve, brando, agudo e que lhe chamou a atenção, do mesmo modo que, em contraponto, causou-lhe horror e temor. A conclusão era a mesma para ambos os sentimentos: não estava sozinho.
No meio da viela, em uma madrugada abandonada, na solidão da escuridão, Redcap estava acompanhando. Logo a figura se revelou. Era uma mulher de preto. Cabelos médios, negros, pele branca como a neve. Olhos de felina enciumada, com um lápis de olho aplicado ao redor. Voz mansa, calma, pausada. O rosto fino, esculpido por deuses.
– Olá, Redcap. Como se sente esta noite? – indagou a mulher, ainda distante do rapaz, enquanto se aproximava com passos ritmados.
– Quem é você? Como sabe meu nome? – contestou Redcap, desconfiado, enquanto levantava a aba do seu boné vermelho para enxergar melhor.
– Eu sou a sua consciência. – ela disse, enquanto dava uma gargalhada satírica.
– Que pena. Está fazendo um péssimo trabalho. – ele respondeu, com um sorriso de canto de boca.
Redcap não sabia, entretanto, que aquele era o começo do fim. Ou, quem sabe, o começo definitivo de um novo amanhã. O dia em que daria adeus a este Mundo.
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A parte II deste folhetim será publicada na terça-feira, 22
