Redcap e Suzane estavam na cozinha na casa que haviam alugado há 3 meses, no bairro da Tijuca. Um bife com arroz e fritas era feito naquela noite de setembro. Era primavera. Uma pequena copa existia naquele cômodo, e por lá, Redcap picava o alho e a carne. Levantou-se. Despejou sobre a frigideira quente, com o óleo a estalar. Mexeu de um lado para o outro. O cheiro daquela carne flambada com alho, pimenta e sal espalhava por todo o canto. Ao seu lado, Suzane controlava o tempo da água que secava, enquanto o arroz cozinhava.
Estavam quietos. Não se falavam muito. Trocavam uma palavra ou outra entre si, para falar sobre o que estavam executando e o que gostariam de pôr ou não na comida. Suzane estava claramente mais desconfortável que Redcap com aquela circunstância. A mágoa subia-lhe do coração para a mente, e descia na mesma medida. Quando voltava ao coração, vinha como flecha, que cortava o órgão. Sangrava aos montes, ao menos em sentimento.
Redcap estava de costas, controlando a fritura, quando sentiu os braços da sua noiva chegar ao seu peitoral pelas costas. Ela o abraçou por trás e encostou a cabeça em seu ombro esquerdo. Sentiu o seu cheiro. Piscou três vezes, vagarosamente, até dizer o que precisava.
– O que você busca de mim, Redcap? – ela indagou, baixinho.
– O que já vivemos. O que somos. – ele respondeu, seco, enquanto tampava a frigideira e virava-se para olhar nos olhos.
– Não nós. De mim. O que eu sou pra você? – ela perguntou novamente, com voz de choro.
– Você é o meu amor. Minha noiva. Minha companheira. Minha amiga.
– Não, não sou. Eu seria se quando eu te enviasse mensagem no final da tarde perguntando onde você está, você me respondesse. Eu seria se você aceitasse meus defeitos e estivesse presente nos meus momentos difíceis. Eu talvez ponderasse todos os adjetivos que você me dá se eu realmente acreditasse que são verdadeiros, pois quando você fala parece que é da boca pra fora. E mais, Redcap, talvez eu aceitasse ser sua amiga de verdade, se você se importasse em como me sinto. – ela dizia, enquanto dava leves socos no seu peito e firmava suas mãos no seu abdômen, enquanto desmontava em choro. – Eu não sou nada para você, droga!!
Redcap não sabia o que dizer. Não imaginava que Suzane se sentia assim com ele. Sentiu uma angústia tremenda ao ver aquela cena. Pensou em dizer alguma coisa, mas logo titubeou. Colocou a mão sobre a cabeça dela e fez um breve cafuné, que logo foi interrompido por Suzane, que empurrou o seu braço para o lado.
– Não me toque. Eu estou com tanta raiva de você. E sabe o que é pior? Você não sente! Você parece que é de gelo.
– Mas eu me importo! – Redcap retrucou, se debruçando na bancada da cozinha – Eu sempre tento melhorar como pessoa para ser um homem melhor para você!
– Você sequer tenta, Redcap. Você apenas me promete e a gente volta para essa ladainha sempre. Você só fala. Estamos nessa há 7 anos!
– Mas eu posso… – ele tentou retrucar, mas foi logo interrompido.
– Chega, Redcap. Eu estou cansada. Estou cansada de ouvir promessas vãs. De você não conseguir olhar para si mesmo e entender como é, e como isso afeta as pessoas ao seu redor.
Neste momento, a alma de Redcap, que assistia toda aquela triste cena, comprimiu seus lábios. Ele finalmente estava se vendo de fora, graças aos poderes da consciência. Avaliando aquele momento, angustiou-se mais do que no passado. Seus dias se tornaram muito mais tristes sem Suzane. Sem o seu brilho e sua luz.
Suzane tinha 28 anos. Era loira, com cabelos ondulados. Olhos verdes como esmeralda. Tinha um semblante de esperança e alegria que dava energia ao ambiente. Não era muito alta, mas fisicamente tinha presença e chamava a atenção de colegas do trabalho. Isso deixava Redcap inseguro, embora Suzane só tivesse olhos para o rapaz.
Redcap assistiu Suzane ir para o quarto do apartamento, e consequentemente, viu a si mesmo segui-la. A cena havia mudado. Suzane estava fazendo as malas, jogando roupas para todos os lados, enquanto seu rosto ficava vermelho. Parava vez ou outra para chorar, esfregando os dedos de ambas as mãos sobre os olhos, enquanto Redcap tentava, de maneira intermitente, impedir a sua saída.
– Não faz isso, por favor. – ele suplicava – Eu amo você.
– Você nem sabe o que é isso. Não descobriu o que é ainda. Você é inseguro, frio e dependente emocionalmente dos outros.
Aquela resposta veio como uma facada em seu peito. Sabia que era verdade. Ele não falou nada, sequer gaguejou ou contestou. Sentou-se na cama e olhou para o chão, viajando em seu vazio interior, enquanto Suzane acelerava a organização de sua mala para que finalmente pudesse pedir o seu Uber e ir para a casa da sua amiga, Beatriz, que já estava ciente da discussão do casal.
– Sabe, eu pensei de verdade que você amadureceria o homem dentro de você ao longo dos anos – ela disse lentamente, enquanto pausava sua arrumação – Mas…eu percebo que certas coisas são essências, enquanto outras são potências.
– Como assim? – indagou Redcap, virando seu rosto na direção dela.
– Há coisas em que você irá se aprimorar, como seu trabalho. Você é bom no que faz. Mas, tem coisas que não irão pra frente. É da sua essência ser assim. Distante, egoísta. Automático.
– Isso dói. Dói mais ainda quando é você quem diz – ele disse, e em seguida, puxou um cigarro do bolso e se levantou, na intenção de procurar o isqueiro.
– E ainda tem a merda desse cigarro!!! – ela aumenta o tom de voz, irada – Já te falei que isso vai te fazer ficar doente. Você tem que parar com isso!
Ele ignora, olhando para o vazio. Um olhar frio, gélido e depressivo. Estava estático. Nem sua alma reconheceu-se ao assistir.
– Pra mim deu. Isso não é amor. Eu vou embora daqui. Eu desisto. – Suzane se levantou, após colocar sua última blusa na mala e fecha-la abruptamente.
– Suzane, espera! – ele tentou ficar na frente dela, desesperadamente.
No meio daquela cena frustrante, Suzane abriu um sorriso, que até maquiou os olhos vermelhos e o rosto inchado em decorrência do prato.
– Do que você tá rindo? – ele perguntou.
– Eu estava pensando… – ela dizia, enquanto passava por ele e andava em direção a sala de estar, para poder encontrar a porta – Deve existir luz nesse fim de túnel.
– Não entendo.
– É porque você ainda vai entender. Não agora. Mas é certo dizer que essa vida tem alegria e dor. Tanto uma como a outra têm poderes gigantescos. E por anos, muitos estudam sobre os seus efeitos na vida. No fim, a maioria chega na mesma convicção. E é uma pena que eu não poderei encontrá-la em você.
– Que convicção? – ele perguntou, desconcertado.
– De que o amor tem que ser verdadeiro.
Ela saiu por aquela porta para nunca mais voltar. Nunca mais os risos sinceros. Nunca mais os afagos revigorantes. Nunca mais os lábios carnudos e vivos. E com pesar, nem mesmo o apetite de Redcap seria saciado, pois durante a discussão havia esquecido da comida que estava no fogo. A frigideira estava quase preta. A carne queimou. O arroz já grudava no fundo da panela. A fumaça recheava o clima de destruição emocional naquele ambiente.
Redcap assistia aquilo sem acreditar no quão tolo era (e não havia muito tempo). Percebeu que a vida nunca lhe privou das emoções positivas e dos impulsos benéficos para a sua alma, além do bom senso e da sabedoria. Ele que decidiu corta-los de si, para evitar que as dores e vicissitudes do dia-a-dia não o machucassem. Perdeu o controle de si mesmo. Passou a vagar como um cadáver em vida.
– Eu sou um idiota – ele concluiu, enquanto observava a si mesmo tentando raspar a panela de arroz, no passado.
– Entendeu o propósito disso tudo? – perguntou a consciência.
– Eu acho que sim – ele disse, cabisbaixo – Mas agora eu sei o que preciso fazer. Vou consertar tudo. Agora vai ser diferente, de verdade!
Consciência olhou para ele com certa compaixão e colocou a mão sobre o seu rosto. Automaticamente, ele fechou os olhos e se viu transportado para o lugar que, conjuntamente, ambos queriam estar: de volta para o Centro do Rio de Janeiro.
Desta vez, Redcap iria mudar tudo. Era o momento de redimir seu espírito e seu coração.
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O epílogo (parte V) deste folhetim será publicado na sexta-feira, 25
