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Relação de ódio entre metades do Brasil fica clara na eleição

Eleição 2022

Se houve algum traço de curiosidade no resultado da eleição do último domingo, uma delas foi protagonizada pelo próprio eleitor e alcançou candidatos reacionários e que, até agora, pouco produziram em benefício da nação. Apesar de todas as contraditas do produto final, nada mais bizarro do que o fato de os principais recordistas de votos serem justamente os maiores críticos do sistema eletrônico de votação. São as contradições político-pessoais de deputados e senadores eleitos pela urna eletrônica que tanto combateram. Ao longo da campanha, a maioria desses críticos chegou a afirmar que a máquina de votar era sinônimo de fraude. Seriam eles a fraude? Pois bem, que sejam humildes e, no mínimo, proponham um desagravo à Justiça Eleitoral, cujos dirigentes e técnicos não podem ser culpados do despreparo ou do pouco caso do eleitorado com o país que habitam.

Sei o quanto é difícil cobrar esse tipo de gesto decente a pessoas que, por pouco, não jogaram no lixo do retrocesso político o equipamento que os elegeu. Fora a enxurrada de votos nos generais Hamilton Mourão e Ricardo Pazuello, nos ex-ministros Damares Alves, Ricardo Salles e Sérgio Moro e em alguns militares da reserva, também foram reeleitos vários satanizadores da urna, entre eles os deputados federais Bia Kicis (DF) e Eduardo Bolsonaro (SP). Algo como uma promoção relâmpago, daquelas em que o pecador paga um grosso carnê ao Diabo para obter alguma vantagem. Nada como um dia atrás do outro e uma noite no meio para refletirmos sobre nossas sandices. A começar pelo povo apelidado de eleitor, infelizmente nem todos conseguem essa reflexão com a necessária rapidez.

De concreto, elegemos uma legião de cidadãos e cidadãs preocupados exclusivamente com seus umbigos. No máximo com suas famílias, igrejas, corporações e com os grupos de amizades mais próximos. Literalmente, é um trem fantasma. Grande derrotado da contenda de domingo, o país é apenas um detalhe. É uma questão de tempo a descoberta sobre o abandono daqueles que garantiram mais quatro anos de mandato a quem nunca viram. Só ouviram falar. Partindo desse pressuposto, impossível é não lembrarmos das sábias palavras do “imorrível” Ulysses Guimarães. Segundo o Senhor Diretas Já, se achamos o atual Congresso Nacional ruim ou péssimo, aguardemos o que será empossado em fevereiro de 2023. De prognóstico antecipadamente mais ou menos, queira Deus que ela não seja ainda pior. Ainda da lavra de Ulysses, cada povo tem o Parlamento que merece. Em breve, teremos o nosso.

Assim são as criaturas. Sinceramente, por isso, às vezes, acordo sonhando com a hipótese de Noé e sua comitiva terem perdido o barco. De volta ao pesadelo, lamento a clareza que o resultado de domingo trouxe à relação de ódio de uma metade do Brasil com a outra. Certamente os que escolheram com o `’coração” votaram pela manutenção de seus empregos ou de quaisquer outros tipos de vantagens. Quanto aos que decidiram com o fígado, o único interesse foi prejudicar física, financeira ou socialmente o adversário, transformado em inimigo por razões de foro íntimo ou por necessidade de fôlego pessoal. Daí a escolha de governadores e parlamentares favoráveis à soberba, à superioridade absoluta e, por que não dizer, à manutenção dos guetos esfomeados, os quais se tornarão presas mais fáceis no futuro que eles já projetam para amanhã.

São os mesmos que se posicionam contra minorias e a favor de passar o rodo em questões que interessam aos agrupamentos que representam. A peleja ainda não está encerrada. Estamos no intervalo de uma disputa que, independentemente de uma eventual vitória do time da vanguarda no segundo turno, podemos creditar ao Brasil o título de campeão de votos absurdos. E aqui cabe lembrar mais uma curiosidade do pleito de domingo. Refiro-me ao voto envergonhado. Difícil acreditar que os consultados pelos institutos de pesquisa responderam com a devida coragem quando indagados a respeito do nome de sua preferência para a Presidência da República. O que me assusta é a facilidade que as pessoas têm para fingir, mentir e enganar sem se preocupar com o julgamento de Deus. Aprendem a mentir com seus gurus políticos.

Uma pena, mas o medo de dizer Lula da Silva e Jair Bolsonaro deve ter induzido as empresas e seus pesquisadores a erro. Portanto, ao contrário do que desejam alguns expoentes do operante e modernoso (supostamente moderno, porém de gosto duvidoso) tradicionalismo, os menos culpados de eventuais falhas relativas aos números eleitorais são os institutos. Afinal, ninguém deve ser acusado da mentira e da covardia alheias. Quanto ao conceito de conservadorismo, valho-me da tese de Mark Twain, pseudônimo do escritor e humorista norte-americano Samuel Langhorne Clemens, para quem os radicais inventam as ideias e, quando já as esgotaram de tanto uso, chamam os conservadores para adaptá-las. Como democrata e vanguardista assumido, prefiro a dor da disciplina à do arrependimento.

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