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Religiosidade popular, o desafio de ontem que se apresenta ainda hoje

Desde tempos antigos, a magia tem sido uma forma pela qual os seres humanos interpretam e interagem com o universo e o sagrado. De acordo com o mago Geraldo Seabra, “A Magia pode ser definida, de maneira sucinta, como a ciência que estuda uma série de leis da natureza e sua utilização, seja na busca de uma integração espiritual, seja na procura de uma vida feliz”. Definida de várias maneiras, a magia busca influenciar a realidade através de forças ocultas, rituais e intenções. Suas manifestações variam entre culturas, de cerimônias religiosas a práticas esotéricas. Uns veem a magia como uma ferramenta dependente da intenção do usuário, outros a rotulam como herética.

O termo “magia” tem raízes no grego “mageía”, relacionado aos Magos da Pérsia, e evoluiu para significar práticas sobrenaturais ao longo dos séculos. A noção de “sobrenatural” se refere a fenômenos além da natureza, frequentemente associados ao místico e ao divino. Introduzido na teologia cristã medieval, filósofos como Tomás de Aquino usaram o termo para descrever a graça divina e milagres que transcendem a natureza. Na filosofia e cultura popular, essa transcendência está ligada à paranormalidade e ao ocultismo.

Com suas raízes e práticas diversas, é frequentemente vista como “primitiva” ou “estrangeira” na cultura ocidental, especialmente dentro das tradições cristãs. No entanto, figuras como Aleister Crowley redefiniram a magia como uma técnica para alterar o mundo físico através da força de vontade. Apesar das percepções variadas, a magia continua a desempenhar um papel significativo nas esferas social, religiosa e cultural, moldando sociedades e tradições ao longo da história. Ela é vista como uma das primeiras tentativas do homem de compreender o mundo ao seu redor, buscando respostas para seus sentimentos e sonhos. Com o surgimento do homem de Cro-Magnon, evidências sugerem a presença de figuras xamânicas ou espirituais nessas sociedades primitivas.

Os xamãs, por meio de rituais e substâncias enteógenas, mediavam entre o mundo humano e o espiritual, buscando cura e proteção. A organização social desses grupos incluía caçadores, coletores e xamãs, que desempenhavam papéis centrais em suas comunidades. Objetos e pinturas rupestre indicam práticas mágicas, como as cenas nas grutas que visavam garantir caça abundante. Também revela representações híbridas de humanos e animais, indicando uma possível forma inicial de religião ou espiritualidade complexa. Essas figuras híbridas, como o “Feiticeiro da Gruta de Trois Frères”, combinavam características humanas e animais, simbolizando a fusão de qualidades como força, agilidade e inteligência. A presença de animais como lobos e corujas no simbolismo xamânico é valorizada por suas habilidades de caça e proteção, sugerindo uma compreensão sofisticada do mundo natural e espiritual.

Essas representações apontam para um pensamento complexo e indicam uma dimensão espiritual nas sociedades primitivas, sugerindo que a magia e o xamanismo desempenharam papéis significativos na formação cultural e religiosa desde os tempos mais remotos. Na antiguidade, a magia estava profundamente entrelaçada com a religião e a ciência nascente, sendo uma prática cultural e espiritual essencial em várias sociedades. No Egito, os sacerdotes utilizavam rituais mágicos registrados em documentos como o “Papiro de Ebers”, datado de 1550 a.C., é uma das mais antigas fontes médicas conhecidas, contendo prescrições e feitiços que refletem a conexão entre medicina e religião na época.

Na Grécia, figuras como Pitágoras e Platão exploraram o esoterismo, associando-o à harmonia universal. O “Corpus Hermeticum”, atribuído a Hermes Trismegisto, consolidou a tradição hermética que influenciou profundamente a magia ocidental. A magia era vista como uma forma de acessar poderes divinos, com sacerdotes e sacerdotisas atuando como intermediários entre os deuses e os humanos. Práticas como adivinhação, leitura de oráculos e interpretação de sonhos eram comuns, servindo para prever o futuro ou entender a vontade divina.

A magia também envolvia o uso de amuletos, talismãs e encantamentos para proteção e cura. Feiticeiros e curandeiros usavam ervas e rituais para tratar doenças, enquanto textos mágicos eram inscritos em papiros e placas de metal. Em algumas culturas, como no Egito, a magia era considerada uma força cósmica essencial para a ordem do universo. Na Mesopotâmia, a adivinhação e encantamentos eram práticas comuns, enquanto na China Antiga, a alquimia e astrologia eram formas de magia. Embora a compreensão moderna de magia difira, na antiguidade, ela representava uma tentativa de compreender e interagir com o mistério da vida, preenchendo lacunas de conhecimento científico e oferecendo conforto em um mundo incerto. No século I d.C., os primeiros autores cristãos incorporaram o conceito greco-romano de magia à teologia cristã, ampliando estereótipos negativos e diferenciando magia de milagres.

A magia foi vista como algo distinto da religião “adequada”. Escritores cristãos, como Agostinho de Hipona, consideravam a magia como práticas fraudulentas, dependentes de demônios e, portanto, em oposição à religião cristã. A teologia cristã enfatizava a imoralidade da magia, classificando rituais pagãos como superstição. Este ponto de vista era mais acentuado no cristianismo do que em outras teologias monoteístas, como o islamismo, que tinha uma visão mais ambivalente dos demônios. A partir do século I a.C., o cristianismo associou a magia a conceitos pejorativos, resultando na perseguição de práticas como encantamentos, astrologia e alquimia durante a Idade Média. Essa perseguição levou à destruição e morte de muitos considerados hereges. Apesar disso, a tradição hermética e a alquimia floresceram em segredo. Durante o Renascimento, pensadores como Marsílio Ficino e Giordano Bruno reviveram o pensamento esotérico, explorando a magia como parte do conhecimento universal, enquanto obras de Alberto Magno e Roger Bacon tentavam conciliar misticismo com ciência. Durante a Reforma Protestante, os protestantes acusaram o catolicismo romano de ser uma seita de magos, criticando seus rituais como sendo semelhantes à magia.

A imposição do cristianismo pelos europeus em territórios colonizados rotulou práticas locais como feitiçaria, levando à transformação cultural sob uma ótica cristã. No entanto, o movimento humanista na Itália começou a reinterpretar a magia de forma positiva, vendo-a como uma expressão natural do ser humano. Apesar do avanço da ciência moderna, que reduziu o prestígio da magia como explicação para fenômenos naturais, a magia não desapareceu. No século XIX, o ocultismo e a Teosofia reviveram o interesse pela magia, com figuras como Papus e Helena Blavatsky contribuindo para sua reinterpretação. Atualmente, a magia é estudada em várias disciplinas acadêmicas, ainda que suas definições variem amplamente. Classificações de magia incluem “alta” e “baixa” magia, e magia branca, cinza e negra.

A alta magia envolve rituais elaborados e busca espiritual, enquanto a baixa magia é prática e direta, voltada para necessidades cotidianas. Magia branca é associada a intenções positivas, magia cinza é pragmática, e magia negra é vista como egoísta ou prejudicial. A prática da magia exige ética e responsabilidade, conforme exemplificado por códigos de conduta como o do Colégio dos Magos e Sacerdotisas, que enfatiza a intenção e as consequências das ações mágicas enfatizando para “não acender fogueira que você não possa apagar”. A magia tem desempenhado um papel crucial na formação das estruturas culturais, sociais e espirituais das civilizações ao longo dos tempos. Na antiguidade, serviu como base para o desenvolvimento inicial da ciência e da medicina.

Durante o Renascimento, ajudou a revitalizar o pensamento filosófico antigo, contribuindo para um renascimento cultural e intelectual. Na era contemporânea, a magia continua a desempenhar um papel significativo na espiritualidade alternativa, oferecendo caminhos para o autoconhecimento e uma conexão mais profunda com o universo. Através de suas diversas formas, a magia sempre foi um meio de compreender e interagir com o mundo, desde suas raízes xamânicas até o ressurgimento do esoterismo nos tempos modernos. A magia reflete o desejo humano por transcendência e uma compreensão do que está além do visível, permanecendo como um testemunho da rica imaginação e do espírito exploratório que definem a humanidade.
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Marco Mammoli é Mestre Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas

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O Colégio dos Magos e Sacerdotisas está aberto aos novos membros, neófitos e iniciados, para o aprendizado e aprimoramento das Ciências Ocultas. Os interessados podem entrar em contato direto através da Bio, Direct e o Whatsapp: 81 997302139. @colegiodosmagosesacerdotisas

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Este texto é um resumo do capítulo A Magia no Mundo. Publicado no e-book “Religiosidade popular – o desafio da interdisciplinaridade no tempo presente” da Editora Barlavento

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