Notibras

Rir é o maior barato, tio…

“O dia em que levei minhas filhas e amigas ao THE TOWER. E Sampa jamais foi a mesma caverna”

“Crônica de um velho rockeiro crônico”

Enquanto você está aí, no conforto do seu “apê” com ar condicionado, eu estou aqui no Festival THE TOWER, em Interlagos, Sampa. Calor de 40º C na sombra. Trouxe minhas filhas ou melhor: elas me trouxeram para a festa.

Devia chamar THE DROGA.

Não pelas substâncias ilícitas que certamente rolaram, mas pelo calor e a distância. Tudo aqui é longe.

Interlagos é longe. Os palcos são longe. A água, a comida, os banheiros longérrimos.

O que esperavam, afinal?

O lugar foi feito para se ir de um ponto ao outro num fórmula1.

Como podem exigir que a gente fosse caminhando?

O público se divide em dois grandes grupos: meninas de shorts jeans mínimos e sainha colegial por cima e os barbudos marombados, de gel no cabelo e pearcing no nariz. Alguns barbudos também usam shortzinho e sainha, mas aí já é um grupo alternativo.

Estou sentado na grama.

Sinto que a última vez que sentei na grama o continente ainda se chamava Pangeia.

Um garoto de uns 15 anos ameaçou me ajudar a sentar.

Humilhante.

Agora começou o show de uma banda cujo nome só tem consoantes.

Tentei pronunciar e minha filha Nanda achou que eu estivesse engasgado.

Chocante.

Sou o único num raio de 30 km que nunca ouviu falar da maioria dos grupos do festival.

E os DJs, então?

Fica o sujeito lá sozinho, pulando e fingindo que mexe nuns botões.

Se estivesse fazendo um risoto ninguém notaria a diferença.

Martela os graves e esfrega os agudos na minha orelha dentro do meu cerebelo.

As vozes eletrônicas rosnam e a tribo vai à loucura.

Uma moça, aqui na minha frente, dança fora de controle.

Escapo da realidade de 2025 e volto a 1969, Woodstoock.

Estou hipnotizado olhando para a moça dançando.

Perco a noção do tempo.

“Chapô, tio?!”

Então percebo que foi o efeito da brisa leve trazida pelo vento.

Cheiro forte de canabis e da pura, meu!

Não fumei, mas traguei.

Em que ano vocês acham que eu vivo? 1969?

Mesmo sendo 2025, a brisa ardida/doce cobre o lugar desde as 3 h da tarde.

Uma bruma cada mais vez alucinógena e o som pesado das bandas.

E os telões imensos, coloridos, ampliam a percepção.

Viagem no cosmos.

Agora estou dançando com o vendedor de cachorros-quentes.

A música alta, o laser, fumaça, o chão que vibra.

(Amanhã acho que venho de shortinho de jeans….)

O maior problema, agora, será sair daqui.

Primeiro achar as minhas filhas e depois localizar onde deixei o dinossauro/kombi estacionado.

O primeiro THE TOWER a gente nunca esquece.

Mesmo sendo sexagenário.

E segue a banda…

…………………

Gilberto Motta é escritor, jornalista e professor/pesquisador. Músico de nascença é fissurado por tudo o que faz barulho (o que para ele, assim como para o Hermeto, é pura música). Vive na Guarda do Embaú, pequena vila de pescadores no litoral Sul de SC.

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