Samanta tinha memória de elefante. O que não chega a surpreender: ela era uma jovem aliá (fêmea de elefante, aprendi essa palavra no ginásio, sempre quis usar). Só tinha um problema, era tão distraída quanto memoriosa.
Ela pastava, em devaneios, pela savana, acompanhando os demais paquidermes. Mas pouco a pouco, afastou-se, atraída por algumas folhinhas tenras. E foi assim, isolada, que o formigão a viu: uma besta magnífica, pestanuda, fêmea até o último fiozinho de pelo, grande como uma montanha (pelo menos da perspectiva, digamos, terra a terra, de uma formiga). Foi olhar e apaixonar-se perdidamente.
O formigão aproximou-se e decidiu declarar o seu amor. Falou em voz suave:
– Querida…
Nenhuma reação da elefanta. O macho viu que precisaria falar muito mais alto.
– Querida!!! – berrou a plenos pulmões.
Samanta ouviu um murmúrio vindo do chão, voltou seus olhos pestanudos para o solo, viu uma formiguinha e perguntou:
– Que foi?
– Te amo, fêmea inesquecível, amor da minha vida! – berrou a formiga. – Quero ter filhotes contigo, um formiante ou uma elemiga.
A gargalhada de Samanta explodiu pela savana. Com sua memória paquidérmica, lembrou de uma historinha contada por exploradores brancos, à luz da fogueira (não sei como animais entendem causos contados por humanos, só sei que foi assim).
Era sobre um formigão que se apaixona por uma aliá, segue-a pela mata, até que ela, compadecida ou entediada, decide aceitar suas propostas eróticas. O machinho inicia os trabalhos, enquanto a fêmea continua a vagar, em busca de folhas. Lá pelas tantas, um galho quebra e cai na cabeça da elefanta, que solta um berro de dor. No mesmo momento o formigão, preocupado e atencioso, perguntou:
– Machuquei-te, coração?
A lembrança levou Samanta a se compadecer de seu pretendente, tão entregue a seus sonhos de amor quanto o da historinha.
– Então vem, sobe logo, porra!
E continuou a pastar, distraída, enquanto o formigão, mal acreditando em sua boa sorte, na concretização próxima de seus delírios eróticos, subiu por uma das pernas até colar em suas partes altas (partes baixas de elefanta ficam bem alto, ainda mais da perspectiva de uma formiga).
O formigão ficou lá, suando a camisa que não usava, até terminar. E depois relaxou, suas patinhas amoleceram, e deslizou pelo lombo de Samanta. Ficou deitado na grama, feliz e realizado – e a elefanta, esquecida de sua existência, recuou para juntar-se à manada e esmagou com uma das patonas seu pobre amante.
Moral (?) da história: Morrer de amor é romântico, mas dói pra dedéu.
