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Samba, cachaça e lágrimas nos 60 anos de Brasília

Se a festa acontecer, Martinho puxará o samba da Vila. Foto/Arquivo Notibras

Novamente o Governo do Distrito Federal, agora comandado por Ibaneis Rocha (MDB) atravessa o samba, no descompasso recorrente e desarmônico entre a Secretaria de Cultura e as entidades culturais da capital da República.

O anúncio – para perplexidade dos carnavalescos da cidade – da Vila Isabel, escola de samba do Rio de Janeiro para apresentar enredo alusivo aos 60 anos de Brasília, no próximo Carnaval, teve o efeito de uma bomba. E o patrocínio, em tempos de vacas magras, será de 4 milhões de reais.

A Associação Recreativa e Cultural Unidos do Cruzeiro – ARUC, maior campeã do Carnaval de Brasília, por meio de nota emitida por sua diretoria, manifestou a sua indignação com o desprezo à própria escola, às coirmãs e à Liga das Escola de Samba do Distrito Fefderal, que sequer foram consultadas. ( Leia abaixo íntegra da nota).

Em evento realizado no dia 10 de abril último na Comissão de Cultura da Câmara do Deputados, quando foi aprovado o PL 256/19, que reconhece as escolas de samba como manifestação da cultura brasileira – sem a presença de nenhum representante da Secult-DF-, o presidente da Liga das Escolas de Samba de Brasília, Geomar Leite, antecipou a existência de um zum-zum sobre a possibilidade de a Vila Isabel homenagear Brasília nos 60 anos da cidade, mas que nada lhe foi passado.

Carnavalesco e jornalistas especializados no tema, residentes em Brasília, manifestaram ao próprio secretário Adão Cândido, a intensão de colaborar tanto no projeto de revitalização do Carnaval de Brasília, como nos eventos relacionados às culturas populares. Mas, pelo que se sabe, não há muita transparência na escolha de profissionais para compor uma possível comissão coordenadora desses projetos.

Tempos de Arruda
Coincidentemente ou não, o episódio parece ir tomando o mesmo rumo do ocorrido em 2010, no governo de José Roberto Arruda.

Em meados de 2007, o Instituto Joãosinho Trinta (com a participação do próprio Joãosinho, que à época residia na capital) elaborou uma sinopse com a ideia de um enredo alusivo aos 50 anos de Brasília. Uma apresentação inicial foi feita à Beija- Flor, dada a proximidade do carnavalesco com a escola de Nilópolis.

A seguir, foi levada a intenção e o pré-projeto ao Governo do Distrito Federal. A proposta era desencadear um certame licitatório, algo do tipo Chamamento Público, entre as principais escolas de samba do Rio de Janeiro e, posteriormente, o envolvimento das escolas de samba do DF e de sua Liga.

O conjunto de documentos incluía ainda a implementação do projeto pedagógico Carnaval: Indústria Social, que chegou a ser licitado, mas interrompido pelos problemas do governo Arruda.

A partir daí, a Nota da Diretoria da ARUC, descreve com precisão e maestria os demais acontecimentos lamentáveis, que continuam a marcar a relação da Secretaria de Cultura com as entidades culturais do Distrito Federal.

A título de recordação, vale lembrar que em 2010, Joãosinho Trinta e o Instituto IJT, autores da ideia, foram alijados do processo. Assumiram a condução do assunto o famigerado trio de deputados distritais, que se tornaram nacionalmente conhecidos pelo episódio da “Oração da Propina”. E o dinheiro do carnaval mudou de bolso.

Beija-Flor 2010
A Comissão de Carnaval da Beija-Flor teve muitas dificuldades à época, para finalizar o projeto que homenageou à capital da República, pelos seus primeiros 50 anos. O acordo inicial entre a escola e o GDF, que seria de patrocínio de 5 milhões de reais, acabou ficando em torno de 3,5 milhões, com muitas dificuldades para o recebimento, conforme relato de João Antônio, então responsável pelo Barracão da escola de Nilópolis.

Por diversas razões a Comissão de Carnaval optou por se afastar da linha de enredo proposta por Joãosinho Trinta. Somando-se a isso a dificuldade de recursos, fez com que a “Majestosa e Soberana” – como é conhecida no meio carnavalesco – realizasse um dos piores desfiles de sua história. E, na opinião de diversos especialistas, “ficou pra lá de bom”, aquele insosso 3º lugar. Na prática, os jurados resolveram dar uma mãozinha, diante de tantas trapalhadas.

Nota da ARUC – A Diretoria da ARUC estranha a ausência das escolas de samba de Brasília na solenidade de assinatura do convênio do GDF com a Unidos de Vila Isabel, com vistas ao Carnaval de 2020, para a qual não foram convidadas.

Mais do que isso, a ARUC estranha o fato das escolas de samba de Brasília e a própria Uniesbe terem sido totalmente marginalizadas desse processo, não tendo sido consultadas ou sequer informadas do projeto, ao contrário do que aconteceu em 2010, nos 50 anos de Brasília, quando a cidade foi enredo da Beija-Flor de Nilópolis e as escolas de samba de Brasília participaram de uma Comissão, com outros segmentos do governo e da área cultural de Brasília, que acompanhou todo o processo, inclusive com visitas periódicas à Beija-Flor e com a realização de uma eliminatória de samba-enredo em Brasília, na ARUC, da qual participaram compositores da cidade, classificando 3 sambas para participar da disputa na quadra da Beija-Flor.

A marginalização das escolas de samba de Brasília desse processo agora com a Unidos de Vila Isabel é um desprestígio para as entidades carnavalescas da cidade.

A ARUC, na condição de mais antiga escola de samba de Brasília, de maior campeã do Carnaval da cidade e de Patrimônio Cultural Imaterial do DF estranha, também, a declaração do Secretário de Cultura, Adão Cândido, de que a reestruturação das escolas de samba em Brasília é incipiente, e reafirma que, mesmo sem a realização do desfile das escolas de samba nos últimos 5 anos, têm feito sua parte para manter viva a bandeira do samba e do Carnaval, mesmo sem apoio do GDF e da Secretaria de Cultura, com atividades esportivas, culturais, carnavalescas e comunitárias, de janeiro a janeiro, e espera ser consultada previamente sobre a participação da Vila Isabel na organização do Carnaval de Brasília.

Nós, mais do que ninguém, conhecemos os problemas, as dificuldades e as necessidades das escolas de samba de Brasília, achamos importante o intercâmbio com as escolas de samba do Rio de Janeiro, mas não abrimos mão de participar ativa e diretamente desse processo de reconstrução do Carnaval de Brasília.

Queremos ser parceiros nesse processo porque temos certeza de que temos contribuições importantes a dar, com base na nossa experiência e nos nossos 58 anos de história, onde sempre fizemos parcerias e intercâmbios com nossas coirmãs cariocas.

Não podemos e não aceitamos ser colocados à margem desse processo em respeito à nossa história.

Brasília, 21 de maio de 2019

Moacyr Oliveira Filho
Presidente da ARUC

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