Santana, com a sua notória e costumeira aversão à urbanidade, entrou na delegacia para mais um plantão. Ricky Ricardo e Pedrito, sempre pontuais, continuaram a prosear enquanto o balcão estava vazio, pois, não raro, não dava para prever quando é que a muvuca iria acontecer. E acontecia, que nem pão de pobre, que sempre cai com a parte da manteiga, ou melhor, margarina, para baixo.
Após enrolar por quase duas horas na cozinha da delegacia, Santana, quase expulso pela Sissi, responsável pelo preparo do melhor café de toda a polícia civil, que já não aguentava a presença do resmungão. Como é que podia existir alguém tão insuportável na face da terra, a mulher se indagava. Aquele homem era mesmo um encosto.
Por sorte da Sissi, Ricky Ricardo, chefe da equipe de plantão, apareceu para reclamar a presença do Santana.
— E aí, não vai trabalhar hoje?
— Tô indo, Ricky.
— Pois esse seu tô indo tem que ser agora, pois o balcão está lotado.
Sem alternativas para protelar ainda mais a sua saída da cozinha, eis que o Santana precisou retirar o traseiro da cadeira e começar a labutar. Do jeito que a coisa estava, parecia que toda a cidade de Sobradinho havia combinado fazer a maior muvuca na delegacia. Desde ocorrências de perda de documento e acidente de trânsito sem vítima até briga de vizinhos, que inclusive cachorro, gato e passarinho estavam envolvidos. Coisas da bucólica cidade serrana do Distrito Federal.
Por conta da correria, o plantão pareceu voar que nem gavião-peregrino. E, graças a São Miguel Arcanjo, padroeiro dos policiais, a noite foi tranquila que nem tartaruga de poço. E o primeiro a despertar foi o Pedrito, que possuía o hábito de guardar um limão na geladeira para, na manhã seguinte, espremê-lo em um copo d’água para ingerir a mistura em jejum. Dizia que era excelente para prevenir gastrite e, de fato, desde então seu estômago vivia em paz.
Mal abriu a geladeira, o agente de polícia ficou furioso.
— Ué, cadê a porcaria do meu limão?
Pergunta daqui, pergunta dali, ninguém soube ou, então, não quis informar sobre o paradeiro da popular fruta cítrica. Pedrito, inconformado, teve que ir para o lar, doce lar sem tomar a sua água com limão. Mas aquilo não ficaria assim. Ah, não mesmo!
No plantão seguinte, parecia que ninguém mais se lembrava do caso do limão desaparecido. Entretanto, Pedrito já tinha um suspeito e, por isso, havia bolado um plano para pegar o gatuno. Dois limões. Um dentro da mochila para não correr o risco de alguém furtá-lo. Já o segundo foi deixado na geladeira, como de costume.
Na manhã seguinte, assim que despertou, Pedrito foi até a cozinha e, como havia suspeitado, o ladrão de limão agira novamente. Todavia, ao contrário de ficar com raiva, sorriu aquele sorriso dos que sabem que vingança é prato que se come frio.
Pedrito tinha certeza de que Ricky Ricardo estava de fora da lista de suspeitos, bem como o delegado Rupereta e o escrivão Gilmarildo. Até mesmo vários policiais do expediente, entre os quais os agentes Rogério e Alexandre. E, diante do seu tirocínio policial, Pedrito, que havia ensaiado um diálogo com o Ricky Ricardo, começou a atuar assim que o Santana apareceu.
— Pois é, Ricky, o meu limão sumiu outra vez.
— Sério, Pedrito?
— Pois é! Mas dessa vez o ladrãozinho vai se dar mal.
— Ué, por quê?
— Injetei veneno de rato no limão.
— Sério?
— Sério.
O Santana, ouvindo aquilo, vociferou.
— Você é louco, Pedrito?
— Falou comigo, Santana?
— Você é louco? Quer me matar?
— Não entendi, Santana.
— Por que você colocou veneno no limão?
— Ué, pra matar o ladrão.
— Ai, ai, ai, vou morrer!
— Ah, então, é você que tá roubando meus limões?
Sem ter para onde correr, Santana confessou. Por sorte, o Pedrito não havia injetado veneno no limão, mas purgante. O larápio não morreu, mas passou o dia inteiro no trono. Pois é, a vida do Santana azedou de vez.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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