O poeta Saulo Braga, que já foi comparado a Gregório de Matos por seu amigo e ex-colega de Banco do Brasil, o escritor Eduardo Martínez, desfruta a merecida aposentadoria entre versos e cruzeiros. E, apesar de ter sofrido AVC, não abandonou a literatura. Quem agradece somos nós, leitores e admiradores desse incrível mestre da arte de escrever. Não à toa, um dos baluartes do Notibras, o José Seabra, o Chefe, é fã de carteirinha do Braga.
Saulo Braga, quem é você além da poesia?
Creio que a pergunta “Quem sou eu além da poesia” se refere às minhas escolhas de vida. Sou apaixonado por viagens em navios de Cruzeiros (já fiz 25), também telejornalismo, preocupadíssimo com o aquecimento global e também sou ecologista de carteirinha. Na minha casa, se for passível de reciclagem, não vai para o lixo. Não uso sacolas plásticas, somente as reutilizáveis e até estas quando rasgam eu mesmo as costuro e ainda duram muito. Creio que, se todos tivessem a mesma atitude, a vida na terra estaria melhor.
Como a motocicleta entrou na sua vida?
Sou apaixonado por motocicletas desde criança. Aos 15 anos já tinha um casaco e um capacete e colecionava todas as revistas especializadas no assunto e até hoje tenho várias caixas delas. Mas só fui comprar a minha primeira motocicleta aos 24 anos quando saí de casa, pois quando morava com os meus pais não era permitido.
Existe alguma lembrança marcante de viagem sobre duas rodas que sempre volta à sua memória?
Sim, uma viagem de 6.000 Km em uma Agrale Dakar 30.0/180cc por 6 estados do Brasil: Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Goiás, Minas Gerais e São Paulo, num total de 30 dias, incluindo cidades como Guarapari, Vitória, Porto Seguro, Belo Horizonte, Goiânia, Caldas Novas, Poços de Caldas, Lídice e Angra dos Reis. E a lembrança ruim marcante foi a perda da embreagem em Porto Seguro, conserto que levou cinco dias; e a lembrança boa marcante foi o reencontro com uma antiga namorada em Goiânia.
Qual foi o maior desafio pessoal que você já enfrentou e que acabou influenciando a sua escrita?
Na verdade, nenhum desafio pessoal influenciou a minha escrita, uma vez que 99% das minhas poesias são baseadas nos “affairs” da minha vida.
Como a sua rotina pessoal se mistura (ou entra em conflito) com a rotina de escritor?
Na verdade, não tenho rotina pessoal. Já estou aposentado e não tenho nenhum compromisso. Por isso, não há nenhum conflito com a rotina de escritor.
Quando percebeu que a poesia seria sua forma de expressão artística?
Bem cedo por volta dos 12 anos de idade.
Você tem algum ritual de escrita ou escreve em qualquer lugar, até na beira da estrada?
Não, nunca escrevi na beira da estrada. Eu sei que alguns escritores às vezes têm a inspiração e aí param tudo para fazer um rascunho, mas não lembro de ter acontecido isso comigo. Quando quero escrever uma poesia, simplesmente me sento e deixo que venha à mente a inspiração.
De onde vêm os seus temas mais recorrentes? Do cotidiano, da estrada, da memória ou do desejo?
99% das minhas poesias têm como tema recorrente homenagens à figura feminina, em especial aos “affairs” da minha vida, geralmente em forma de acrósticos.
Já houve algum poema que nasceu literalmente durante uma viagem de moto?
Sim, um único poema justamente quando reencontrei a antiga namorada em Goiânia, citada no item 3. Aliás, foi apenas um rascunho que fiz há mais de 30 anos e eu o encontrei há pouco tempo em um caderno antigo e vou editá-lo.
Como lida com os momentos de bloqueio?
Na verdade, não tenho muitos bloqueios na hora de escrever, mas quando as coisas ficam meio confusas por causa de um derrame, basta dar um tempo e esperar que volte a inspiração.
A liberdade da estrada dialoga de alguma forma com a liberdade poética?
Se a pergunta tem a ver com a sensação de estar livre enquanto está pilotando e também de ser livre para escrever, creio que a resposta é sim.
Existe semelhança entre o ato de pilotar e o ato de escrever?
O ato de pilotar dá a sensação de liberdade, porém com muita concentração e não se pode relaxar muito. Já o ato de escrever requer estar bem relaxado e tranquilo, mas também com a liberdade de expressão. Então, creio que a resposta para essa pergunta é “mais ou menos”.
Se sua motocicleta pudesse falar, o que ela diria sobre a sua poesia?
Eu acho que a moto pediria para que eu escrevesse mais poesias sobre ela e a estrada. Mas eu, como poeta, posso afirmar, sem sombra de dúvida, que “são belas as curvas da estrada, porém não se comparam à beleza das curvas de uma linda mulher”.
Já escreveu versos inspirados pelo vento, pelo ronco do motor ou pela sensação de estar em movimento?
Sim, uma única vez, como citei no item 9.
Quais poetas marcaram a sua trajetória?
Nenhum. O Eduardo Martínez me comparou a Gregório de Matos, que eu não conhecia e, por isso, estou lendo a sua obra agora. Por incrível que pareça, nunca fui muito de ler ficção, incluindo aí poesias. Toda a leitura da minha vida se baseou em fatos. Como, por exemplo, a minha paixão pela segunda guerra mundial, que já resultou no consumo de pilhas de livros e revistas.
Fora da literatura, quem ou o que mais inspira a sua escrita?
A figura feminina, mormente os “affairs” da minha vida.
O rock, a estrada, os bares de beira de rodovia… tudo isso já virou poesia?
Não. Nunca. Muitos poetizam os bares de estrada onde supostamente param os motociclistas, como mostrado em muitos filmes. Mas, 99% das minhas viagens, eu as fiz sozinho. E nunca parei em bares. Viajando só ou acompanhado, parava, sim, mas em restaurantes para alimentar e logo continuar a viagem. Não frequento bares. Há alguns anos, quando ainda era possível rodar com segurança à noite de motocicleta no Rio de Janeiro, eu frequentava as sedes dos moto-clubes, onde sempre havia um bar. Mas, na estrada, nada de parar em bares, até porque nunca usei bebida alcoólica em viagem nenhuma. Nunca fiz nenhuma poesia baseada em nenhum estilo musical, nem no rock.
Acha que a poesia tem um papel social ou é antes de tudo uma experiência íntima?
Acho que as duas coisas.
Que conselho você daria a alguém que deseja escrever poesia, mas acha que não tem talento?
Primeiro é preciso saber por que essa pessoa acha que não tem talento. Será que ela escreveu uma poesia, e alguém falou que ela não tinha talento? Se for isso é melhor seguir o exemplo dos Beatles quando procuraram uma gravadora: houve rejeição por parte da Decca Records, que lhes disse que eles “não tinham futuro no show business”. Mas todo mundo sabe que eles acabaram ficando famosos. Então, a dica é: nunca desista e não se importe com a opinião alheia.
Onde se vê nos próximos anos: mais sobre duas rodas, mais entre livros, ou sempre no equilíbrio entre os dois mundos?
Nem todos os meus amigos e leitores sabem que eu tive um derrame que deixou sequelas motoras e cognitivas. As sequelas motoras me impossibilitaram de pilotar e dirigir. Porém, continuo frequentando o mundo das duas rodas da mesma forma que fazia antigamente, porém agora tendo como transporte o ônibus, o táxi ou o carro por aplicativo. As sequelas cognitivas afetaram boa parte da memória e também a capacidade de raciocinar. Mas, com tranquilidade e paciência, “as rimas vão saindo”. Então, sim, sempre no equilíbrio entre os dois mundos.
Não é muito comum alguém se tornar personagem de um livro de ficção, mas aconteceu com você no romance ‘Despido de ilusões’, do Eduardo Martínez. Como você reagiu a isso?
Adorei.
