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Show tem que continuar, mesmo sem Arlindo Cruz

O luto serviu mais uma vez de roupa da cultura brasileira na tarde desta sexta-feira, 8, com o anúncio da morte de Arlindo Cruz. Foi como se a cuíca chorasse sozinha no compasso do silêncio. O pandeiro, abandonado num canto da roda, recusava-se a rir. O cavaco, sem dedos para acariciá-lo, apenas respirava em acordes suspensos. E no coração do samba, um vazio imenso, como um terreiro sem batuque, como o verso que fica preso na garganta de um partideiro.

A notícia chocou a cultura brasileira. Arlindo Cruz partiu.

Não houve ensaio para essa despedida. Nem cartaz pregado em poste avisando o fim da alegria em forma de samba. Foi de repente, embora o tempo já tivesse ensaiado a ausência. Mas quando a informação chegou, mesmo esperada, doeu como faca sem ponta. É porque nele havia mais que música. No parceiro de muitos parceiros e milhões de fãs sempre havia fé, amizade, lealdade e um talento que atravessou gerações.

Era o parceiro de Zeca, era o cronista das esquinas de Madureira, era o poeta que sabia cantar as pequenas grandes coisas do povo com a nobreza dos reis. Quem já ouviu “Meu Lugar” sabe do que estou falando. Arlindo Cruz transformava barro em altar. Tinha o dom de vestir de beleza a simplicidade do cotidiano, de fazer da roda de samba uma catedral e da cerveja de garrafa uma oferenda à ancestralidade.

“O Show Tem Que Continuar”, cantava ele com a alma escancarada. E continua, sim, mas com lágrimas nos olhos e saudade nos instrumentos. Porque não há luto mais doloroso que aquele que se canta.

Madureira está de luto. Zeca chora. O Brasil recolhe sua bandeira do samba a meio-mastro.

Mas se há justiça nos deuses da música, Arlindo já está lá em cima, improvisando com Cartola, Candeia, Dona Ivone, Beth e João Nogueira. Já deve estar compondo mais um samba para quando for a nossa vez de subir, e sermos recebidos por ele com o sorriso largo e um refrão bonito.

Enquanto isso, ficamos por aqui. Órfãos da tua rima, Arlindo, mas eternamente gratos. Salve, mestre. No batuque do tempo, tua batida não cessa.

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José Seabra é diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras

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