Pelotas dormia encolhida sob a umidade tenaz da madrugada, enquanto os aquecedores mentiam no interior das casas. Em uma delas, porém, onde a cidade ainda parece um pouco promessa mal cumprida, eles — eu e você, sem nomes, costumávamos dizer —, descobriam que certas temperaturas só se combatem com pele.
A noite começara com vinho e um filme francês que nenhum dos dois viu até o fim. Ela trajava um robe de cetim vermelho, e ele usava um moletom velho, tão desgastado quanto sua resistência às coxas que lhe roçavam, de propósito, desde a terceira taça.
Foi no sofá — de linho bege, ironicamente frio como uma sogra diplomada — que começaram as carícias. Beijos longos, de quem não tem pressa; mãos que pareciam não procurar, mas encontrar. Ela tinha o dom das unhas e dos suspiros interrompidos. Ele, por sua vez, movia-se como quem lê em braile: devagar, tateando os relevos com a reverência dos cegos.
Ela o montou ali mesmo, de frente, sem pedido nem ensaio. A calcinha atirada sobre o abajur fez um eclipse cor-de-rosa na parede. Os quadris se chocavam como dois argumentos irrefutáveis. Ela mordia o lábio inferior com tal força que parecia querer devorar-se por dentro. Ele, suando apesar do frio, a pegava pelas nádegas com as duas mãos de operário que sabiam exatamente onde a carne é verbo.
Depois, entre uma risada embriagada e um gemido rouco, migraram para o quarto — tropeçando em sapatos, pisando em almofadas, ignorando o mundo como só os que estão nus sabem fazer.
Na cama, ela abriu as pernas como quem abre um livro antigo: com respeito, mas com sede. Ele desceu por ela como um explorador faminto de geografia íntima. A língua dele era uma oração laica entre os pelos bem aparados. E ela, que já estivera com homens bons e ruins e muitos irrelevantes, sentiu que ali havia um tipo raro de fé — aquela que se manifesta em gemidos graves e olhos revirados.
Ele a penetrou por trás, puxando seus cabelos como se quisesse domar um cometa. Ela arfava, arqueada como um acento circunflexo sobre a gramática do prazer. O colchão rangia em ritmos iâmbicos, e as janelas tremiam discretas, como quem assiste a um espetáculo do qual não deveria participar.
Ao amanhecer, os lençóis estavam revoltos como protestos estudantis, e os corpos, colados por uma mistura de suor, sêmen e sono. Ela acendeu um cigarro com a satisfação de quem sabe ter cometido todos os pecados que valem a pena. Ele, ainda com o sexo meio ereto e os olhos pesados, perguntou:
— Que horas são?
— Pouco importa — ela respondeu, soprando a fumaça —. Hoje é feriado na nossa pele.
E, ao fundo, a cidade voltava a tossir sua rotina, sem suspeitar que, naquela cama amarrotada, dois hereges tinham acabado de rezar a missa do corpo.
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José Seabra, diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras, presta sua primeira contribuição ao Café Literário
