À meia-luz das cavernas da memória, onde o vinho fermenta mais do que a uva — fermenta a alma —, ergue-se a figura de Baco, deus que não reina apenas sobre taças, mas sobre estados de espírito. Não é o vinho o seu império, mas o delírio que ele acende.
Baco chega de pés descalços, coroados de hera, conduzindo um cortejo de sombras e claridades. Atrás dele, sátiros e bacantes dançam no compasso dos tambores que ninguém toca; é o próprio coração humano que dita o ritmo. Ele não pergunta, não ordena: seduz. O convite é silencioso, mas irrecusável.
Quem prova do seu néctar, já não bebe: mergulha. É como se cada gole fosse uma chave, destrancando portas internas que jamais deveriam permanecer fechadas. Baco é o senhor dos labirintos invisíveis — aquele que ensina que a sobriedade é apenas uma máscara e que a verdade, quase sempre, está escondida na vertigem.
Há quem o tema. E há quem se entregue. Mas ambos, os que resistem e os que se perdem, sabem que ele é inevitável. Porque Baco é a celebração do excesso, mas também o murmúrio secreto do autoconhecimento. Ele não se limita à festa ruidosa: também habita o silêncio da madrugada, quando o último cálice repousa e resta apenas o eco da pergunta: o que, afinal, encontrei em mim quando me deixei guiar por ele?
Baco não promete respostas, apenas caminhos. E cada caminho é feito de espirais, como as videiras que sobem aos céus para depois se curvar à terra.
Na sua presença, não há meio-termo: ou se é cativo da razão, ou se é iniciado da loucura. O êxtase é rito, o vinho é símbolo, e o homem — o homem é a oferenda.
E quando a aurora rasga o véu da noite, ainda resta a sensação de que foi ele, Baco, quem ditou o destino da festa. Pois, em verdade, todo ser humano é, em alguma medida, um filho do delírio.
