Dizem os antigos que Sodoma e Gomorra não eram apenas cidades de pedra, mas estados da alma. Erguiam-se no vale fértil como jardins exuberantes, porém suas raízes já não bebiam da fonte do Alto. As casas eram cheias, as ruas movimentadas, mas o silêncio do espírito havia sido esquecido.
Ali, os corações haviam se tornado espelhos voltados apenas para si mesmos. Não porque o prazer fosse mal, nem porque o desejo fosse sombra, mas porque haviam se desligado da lembrança do Outro — do estrangeiro, do frágil, do mistério que habita além do próprio eu.
Os sábios contam que os mensageiros que ali chegaram não vinham para condenar, mas para revelar. Como toda luz verdadeira, sua presença incomodava. A cidade não caiu por fogo apenas, mas por incapacidade de sustentar a própria verdade quando ela se aproximou.
Abraão, o caminhante entre mundos, intercedeu. Seu clamor ecoou como uma pergunta eterna: quantos justos são necessários para salvar uma cidade? Talvez a resposta nunca tenha sido um número, mas um convite: basta um coração desperto para mudar o destino?
Quando o fogo desceu, não foi apenas destruição. Foi alquimia. O enxofre selou aquilo que já estava fragmentado. E a mulher de Ló, ao olhar para trás, transformou-se em sal — não como punição, mas como símbolo: quem se fixa no que já morreu cristaliza-se.
Sodoma e Gomorra vivem ainda, não em ruínas no deserto, mas sempre que o ser humano troca compaixão por indiferença, e consciência por excesso. Mas também vivem na esperança de Abraão, na hospitalidade esquecida, e na chance eterna de escolher diferente.
Pois toda cidade pode cair, mas toda alma pode despertar.
