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Sonhos são projeções do inconsciente

Estar em um bosque é estranho, ainda mais com a namorada, ainda mais sem ter a menor ideia de como se foi parar ali. De repente, baixa um nevoeiro cerrado, Natália se dissolve na bruma. José se detém por um momento, aturdido, depois continua a caminhar às cegas, e então o nevoeiro desaparece e ele avista a mulher uns 20 metros adiante. Vê também cinco outras mulheres que avançam na direção dela. São mais jovens que Natália e ele, de uns 30 anos, atraentes, e vestem túnicas de estilo vagamente grego que o fazem pensar em ninfas. Elas aproximam-se de Natália e disparam:

– Esquece José. Ele é nosso! – diz uma delas.

– Não vamos deixar você ficar com ele! – completa outra.

Natália começa a guinchar de ultraje (o tom de voz estridente, nos momentos de tensão, era uma das muitas coisas de que ele não gostava nela), mas de repente tudo desaparece e José acorda em sua cama, sozinho no apartamento de dois quartos.

Normalmente seus sonhos se desvanecem quando ele acorda, mas cada detalhe deste permanece indelével.

José sabe que os sonhos são projeções do inconsciente, que ele é, ao mesmo tempo, as ninfas (já qualifica desse modo as cinco mulheres), Natália e ele próprio. Ainda assim, fica lisonjeado ao ser disputado tão ferozmente.

Enquanto muda de roupa, examina-se com olhar crítico no espelho e vê um cinquentão barrigudo, meio calvo, divorciado, que mora sozinho. Seus filhos estão criados, faz tempo que saíram de casa. A vida profissional e amorosa é deplorável. Ele é contador em uma empresa e na maior parte do tempo limita-se a aguardar a aposentadoria. Por sua vez, Natália é professora na rede pública paulistana, também divorciada, também mora sozinha, também tem filhos crescidos que seguiram cada um seu caminho.

Os dois têm a mesma idade e José pensa, não pela primeira vez, que as trajetórias medíocres dos dois são parecidas. Mas agora isso mudou:

“Tenho as minhas ninfas”, pensa, com uma pitada de vaidade.

Nos dias seguintes, a imagem das cinco mulheres tornou-se cada vez mais forte. José começou a se observar com mais indulgência no espelho, a imaginar que, com um pouco de trato, ainda conseguiria seduzir mulheres mais jovens. O sexo com Natália, que já era burocrático, ficou pior ainda.

O primeiro alvo do projeto de sedução de José foi uma secretária de uns 30 anos de sua empresa. Tinha o nariz arrebitado, vagamente parecido com o de uma das ninfas. Dirigiu-lhe galanteios desajeitados e uma proposta ainda mais tosca de saírem “para uma noitada”. Ela o olhou de cima abaixo:

– Você não se enxerga? – observou com desprezo.

A segunda e a terceira tentativas foram com garçonetes de duas lanchonetes que frequentava, perto da casa de Natália. Foi pior ainda, elas riram e zombaram dele diante dos outros clientes. O mais grave é que a amante soube do vexame, sentiu-se desrespeitada e, aos guinchos, decidiu dar um tempo na relação. Mas José sabia que era para sempre, o envolvimento deles fazia tempo que estava péssimo. “Não faz mal, tenho as minhas ninfas”, pensou, dessa vez com rancor.

Decidido a vingar-se, José pensou no que fazer. Refletiu friamente, como fazia quando encarava um problema contábil. Primeiro, admitiu que não conseguiria seduzir cinco mulheres e reduziu o número de ninfas substitutas para três. Segundo, reconheceu que não conquistaria balconistas, secretárias e outras mulheres independentes, não a curto prazo, e decidiu contratar profissionais do sexo. Terceiro, confessou para si mesmo que não tinha dinheiro para belas acompanhantes, dignas de suas ninfas; teria de se virar com mulheres da rua…

O passo seguinte foi procurar uma zona de prostituição, escolher três mulheres ainda passáveis e encomendar o serviço. Não, não queria sexo, declarou; queria que dessem uma surra em Natália – “mas não muito forte, mais um susto”. E que, na ocasião, dissessem as palavras mágicas:

“Esquece José. Ele é nosso! Não vamos deixar você ficar com ele!” Depois passou o endereço da vítima e pagou metade da quantia combinada; o resto entregaria após o serviço.

Ele ficou à noite em casa, esperando notícias, mas nada. Foi para o trabalho de manhã, e afinal recebeu uma ligação. Mas não era das três justiceiras; era da polícia, convocando-o para prestar depoimento na delegacia do bairro.

No dia seguinte, suando de nervoso, José sentou-se diante do delegado. Foi informado da morte de Natália – provavelmente acidental, por ter batido a cabeça na quina de uma mesa de mármore depois de ser empurrada e cair –, da prisão em flagrante das três mulheres depois que um vizinho ouviu a discussão aos guinchos e chamou a polícia, e que elas confessaram o envolvimento dele no atentado. Abatido, admitiu tudo.

Agora José espera o julgamento na prisão. Descobriu, mortificado, que a grande maioria dos presos, jovens feras, olha com desprezo para um contador cinquentão, barrigudo e meio careca, que não passa de um amador no mundo do crime. É obrigado a dormir junto à “boca do boi”, o buraco que serve de latrina na cela, de um fedor inacreditável. De vez em quando, sonha com as ninfas.

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