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Teerã adverte Ancara. Entrar em Damasco é acender a pólvora

Teerã veio a público para alertar a Turquia contra “qualquer movimento que exacerbe e complique ainda as condições na região e venha a ter consequências irreparáveis”. O porta-voz do Ministério de Relações Exteriores revelou que Teerã fez uma démarche com Ancara, para que aja com grande prudência. É a primeira reação iraniana, desde que o Parlamento turco aprovou resolução que autoriza o governo a enviar tropas para a Síria.

A reação iraniana é forte e implica aviso de que, se tropas turcas cruzarem a fronteira turca, haverá “consequências irreparáveis”. As coisas estão ficando altamente explosivas. Por que essa reação tão forte, dos iranianos?

Evidentemente, Teerã já decifrou o plano de jogo do primeiro-ministro turco, Recep Erdogan, que está jogando por três trilhas. Erdogan calcula que a campanha aérea dos EUA contra o Estado Islâmico não bastará para conter a ameaça extremista, e que serão indispensáveis os “coturnos em solo”. Sabe que a Turquia é o único país em posição de mobilizar ali os coturnos em solo necessários para reforçar a estratégia dos EUA contra o Estado Islâmico.

Assim sendo, Erdogan impôs uma pré-condição – entrará no jogo, desde que os EUA remodelem sua estratégia anti-EI na Síria, para incluir “mudança de regime”. Mas Washington prevaricou. Então, Erdogan jogou sua segunda carta – reviveu a antiga proposta turca, de criar uma “zona segura” [orig.buffer zone] dentro da Síria. Na sequência, converteu a “zona tampão” em precondição para Ancara intervir para defender a cidade de Kobane, no norte da Síria, junto à fronteira turca, que estava sendo atacada pelo Estado Islâmico.

Mais uma vez, Washington vacilou. Kobane já está sob controle do Estado Islâmico. Mas, de um modo ou de outro, Erdogan marcou um gol: Kobane é cidade curda e a captura pelo EI enfraquece a organização separatista curda PKK que combate contra o exército turco.

Posto em forma simples, Erdogan está permitindo que o Estado Islâmico (que a Turquia apoia secretamente) esmague os curdos no norte da Síria, enquanto, ao mesmo tempo oferece ajuda a Obama para combater o EI, desde que, claro, os EUA acompanhem as ambições territoriais turcas (disfarçadas sob os planos para zona “tampão” e “zona aérea de exclusão”) na Síria – que seriam o primeiro tiro com vistas à “balcanização” daquele país.

Claramente, a agenda de Erdogan está focada na “mudança de regime” na Síria e, em segundo lugar, em enfraquecer e eventualmente dizimar os grupos curdos separatistas, ao mesmo tempo em que mantém, como sempre manteve, atitude ambivalente em relação ao Estado Islâmico.

Por quanto tempo Barack Obama conseguirá resistir contra a chantagem de Erdogan? A resistência dos EUA contra a ideia da “zona segura” está enfraquecendo, como o secretário de Estado John Kerry deixou fortemente sugerido em comentário que fez depois de reunir-se com seu contraparte britânico – embora o Pentágono ainda insista que aquela “zona segura” não está sendo considerada na estratégia dos EUA. O ponto é que Obama já está sendo criticado em casa por ter “feito pouco” para impedir a queda de Kobane.

MK Bhadrakumar, Indian Punchline

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