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Tem coisa na gastronomia nordestina que nunca passará de gato por lebre

Eu só conheço dois lugares verdadeiramente mágicos. Não estou falando apenas de beleza natural ou simpatia do povo, embora isso também exista. Falo de magia mesmo. Daquela que escapa à razão, que atravessa as palavras e se insinua nas pequenas coisas do cotidiano. São dois os lugares onde o sobrenatural caminha ao lado das pessoas como se fosse parte da mobília: a Bahia e o Maranhão.

Na Bahia, algo inexplicável paira no ar. Uma energia silenciosa, que não se vê, mas se sente. As pessoas vão para lá querendo encontrar essa força ou tentando fugir dela. Mas a Bahia não aceita fuga. Quem chega com o espírito aberto se embriaga de encantamento. Quem chega cético, sente o baque. Ali, a lógica não tem serventia. É como se o tempo funcionasse diferente, como se as coisas tivessem camadas escondidas.

O acarajé, por exemplo. Pode ser feito em São Paulo, no Rio ou até em Brasília, por uma baiana legítima, com feijão fradinho vindo de Salvador e azeite de dendê contrabandeado em garrafa pet. Ainda assim, não vai ter o mesmo sabor. O sabor do acarajé baiano não está apenas nos ingredientes. Está nas ruas de Salvador, nas ladeiras do Pelourinho, na força ancestral que mora em cada tabuleiro. Está no canto das vendedoras, na bênção silenciosa dos orixás.

O outro lugar onde essa força existe é o Maranhão. Lá, a realidade também é outra coisa. Os bois dançam com olhos vivos, como se soubessem mais do que mostram. As matracas batem como um coração antigo. E a comida tem alma. Arroz de cuxá, torta de camarão, juçara. Tudo ali tem um gosto que não pode ser simplesmente transportado para outro estado. Tente fazer arroz de cuxá fora do Maranhão. Pode trazer até a vinagreira na mala, plantar no quintal, seguir a receita da sua avó. Ainda assim, vai faltar alguma coisa.

E quanto ao Guaraná Jesus, nem se fala. Só quem toma no Maranhão entende. Aquele rosa brilhante que parece a bebida da Barbie e tem gosto de infância encantada. Se você comprou uma lata em São Paulo ou achou numa loja em Curitiba, lamento informar. Você tomou Guaraná Jesus, claro, mas no Maranhão tem outro sabor. É como se a fórmula mudasse de estado junto com a paisagem. Talvez mude mesmo. Talvez seja isso a magia: algo que não se pode transportar.

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