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Tenente-coronel do Corpo de Bombeiros pedia empréstimos a subordinados e não pagava

Adriana Cruz

‘Tirei dinheiro do meu sustento para dar ao oficial. Sonhei muito com essa farda, para agora ser humilhado como homem e chefe de família por causa da pressão da hierarquia”. A revelação é de um dos militares que caiu no conto do tenente-coronel Carlos Marcelo Corrêa de Mello Silva, do Corpo de Bombeiros.

Segundo depoimentos, em 2009, quando estava à frente do comando do extinto Grupo de Prevenção e Estádios (Gpreve), no Maracanã, Corrêa usava a boca de ferro — como é chamado o auto-falante do quartel — para convocar ao seu gabinete os subordinados. O chamado provocava calafrios em praças e oficiais porque, a portas fechadas, Corrêa anunciava que precisava muito de ajuda financeira.

O oficial seria um especialista em contar histórias tristes envolvendo até mesmo a própria mãe, já idosa, e aproveitava-se da alta patente para pressionar a tropa a emprestar-lhe algum dinheiro. E não era qualquer trocado. Corrêa contaria ainda com a ajuda de funcionários do Banco BMG para saber a margem de crédito consignado dos militares na instituição.

O arsenal de informações e o poder da hierarquia intimavam os bombeiros a pegar empréstimos de R$ 5 mil a R$ 10 mil no BMG. O dinheiro parava depois na conta de Corrêa. Ele prometia pagar as prestações, mas não honrava a palavra, e o prejuízo — que chegou até a R$ 20 mil em alguns casos — ficava com os subordinados.

Seis militares tiveram coragem de denunciar o caso à Corregedoria do Corpo de Bombeiros. Corrêa foi denunciado pelo Ministério Público que atua junto à Auditoria da Justiça pelo crime de estelionato. A pena varia de dois a sete anos de prisão. O MP quer ainda que o oficial seja obrigado a devolver R$ 51.296,03 aos militares.

Em setembro, a juíza da Auditoria da Justiça Militar, Ana Paula Monte Figueiredo Pena Barros, determinou que Corrêa fosse afastado da função. À época, ele estava lotado na Escola Superior de Comando de Bombeiro Militar. No entanto, no Boletim Interno de 25 de abril, ele foi lotado no Departamento Geral de Defesa Civil. A lotação gerou reação. Agora o MP quer saber se o mesmo tratamento costuma ser dispensado a outros réus em processos.

Em nota, o Corpo de Bombeiros informou que instaurou Inquérito Policial Militar contra o tenente-coronel e resultou em processo na Justiça. Alegou que a atual lotação do oficial cumpre a decisão judicial porque ele está afastado da atividade operacional ou administrativa.

Sobre a denúncia de envolvimento de funcionários no esquema, o banco BMG alega que segue a legislação dos contratos de empréstimos.

Militar faltou a audiências na Justiça

Vergonha. Foi o que concluiu o tenente-coronel João Luiz Oliveira de Moraes ao concluir o IPM contra o tenente-coronel Carlos Marcelo Corrêa de Mello Silva. “Como pode um oficial superior do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro caminhar por tais vergonhosas veredas?”, questionou ele, ao encerrar o procedimento de investigação do caso.

Para pegar o dinheiro dos empréstimos efetuados pelos subordinados, Corrêa usava a viatura do Corpo de Bombeiros, com direito a motorista, para buscar as vítimas até em casa. “Ficávamos de pés e mãos atadas”, contou uma vítima.

No processo que tramita na Auditoria da Justiça Militar a que O DIA teve acesso, o subtenente da reserva Celso Luiz Alves de Araújo, que pegou R$ 10 mil de empréstimo para Corrêa, foi taxativo: “Me sinto lesado, enganado e decepcionado”. Ele entrou na Justiça comum para reaver o dinheiro, mas Corrêa não compareceu a cinco audiências.

Na Auditoria da Justiça Militar está marcado para o dia 17, às 14h, depoimento de testemunhas de acusação.

Falsos depósitos para enganar credores por mais tempo

Depósitos em envelopes sem dinheiro nos caixas eletrônicos direcionados às contas dos subordinados constam com uma das artimanhas usadas pelo tenente-coronel Carlos Marcelo Corrêa de Mello da Silva para continuar sem pagar os empréstimos. Ele apresentava o canhoto do banco às vítimas, que, assim, demoravam algum tempo para descobrir o golpe.

A cada cobrança, Corrêa dava desculpas, como a de que precisava vender um terreno da mãe para quitar os compromissos.
Para reaver o dinheiro, a maioria dos lesados ainda entrou com processos na Justiça comum. “Ele sempre dizia que uma mão lavava a outra. Mas acabei ficando no prejuízo”, contou um bombeiro em depoimento à Justiça Militar.

Oficial alega que quer pagar, mas perdeu contato dos subordinados

O tenente-coronel Carlos Marcelo Corrêa de Mello Silva não negou que pegava empréstimos com seus subordinados em depoimento no Inquérito Policial Militar (IPM) aberto pela Corregedoria da corporação. Alegou que passava por sérias dificuldades financeiras na ocasião e que deixou de efetuar os pagamentos porque perdeu o contato dos bombeiros. Fez questão de ressaltar ainda que nunca coagiu os militares e que quer pagar as dívidas das vítimas.

Na corporação, o oficial tem uma trajetória conceituada. No seu currículo não faltam elogios de outros oficiais por competência e atuação em grandes eventos da cidade. Em março de 2010, por exemplo, ganhou destaque ao participar do evento “Padronização dos Procedimentos das Forças Policiais em Espetáculo de Futebol”, em Brasília, uma espécie de preparatório para a Copa do Mundo de 2014 no Brasil. A autorização foi dada pela Secretaria de Defesa Civil. Também participou de eventos que visavam a realização do Pan-2007, no Rio de Janeiro. Uma das especialidades do oficial na corporação era ainda participar de cursos como de Técnica de Ensino para Oficiais, em 2010.

Além de comandar unidades, Carlos Marcelo Corrêa de Mello Silva passou por cargos importantes, como a chefia do Estado-Maior. A reportagem tentou entrevistar o oficial. O pedido foi feito à assessoria de imprensa da corporação, que alegou que não tinha o contato do militar.

O Dia

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