Olha, moçada, boa dose de ironia no conto a seguir. Sei que a desigualdade brasileira e um fenômeno complexo, de múltiplas determinações. E que Papai Noel não existe.
Boa noite, crianças. Vocês são filhos de homens e mulheres de bem, devotados ao nosso presidente. E um dia serão cidadãos e cidadãs de bem. Essa história é pra vocês. Um conto de Natal, mas não apenas.
Vocês sabem o que é desigualdade? É a mesma coisa que diferença. Cada pessoa é diferente de todas as outras. Só que os esquerdalhas focalizam a desigualdade social, veem nisso um grande malefício e põem a culpa nas elites, nos ricos e autoridades do nosso amado país. Mas vocês vão ver que não é bem assim. E boa parte da culpa pela desigualdade brasileira vem daquele veio barbudo, o vermelhão, Papai Noel.
Um parêntese: vocês já ouviram falar em Lula novededos? Seus pais, homens de bem, podem ter comentado com vocês: ele é um perigo, pode derrotar o mito nas eleições de 2022. Vou mostrar um retrato da besta fera de nove dedos. Olharam bem, com atenção? Agora imaginem ele vestido de vermelho, com um gorro na cabeça, rindo pras crianças (ele é muitosimpático, não dá pra negar): fica igualzinho a Papai Noel! Podemos dizer que o Lula é o Papai Noel nove dedos, ou que Papai Noel é o Lula dez dedos. Conforme vocês preferirem.
Agora uma pergunta: por que papai Noel se veste de vermelho? Porque é subversivo, é evidente. Há quem diga que o vermelho é a cor da Coca Cola, que divulgou a imagem do veínho barbudo por todos os países, mas não é nada disso. Ele se veste de vermelho porque gosta, e gosta porque é comuna. Havia outras cores à sua disposição? Claro que sim, e continua a haver. No Rio Grande do Sul, por exemplo, os gremistas mais fanáticos vestem Papai Noel de azul, que o vermelho é a cor do Internacional, mas não é a mesma coisa. Ou então ele podia adotar um traje verde patriótico, um verde-papagaio que nem os ternos do véio da Havan, homem de bem, amigo do nosso querido presidente, mas nada, o fio de uma égua prefere ficar a cara do Lula.
Então chega a noite de Natal, e o Lula dez dedos, todo pimpão, começa a distribuir os presentes. Quando ele encontra uma mulher sozinha com os filhos, começa a xavecar; em geral rolam uns beijinhos, um vinho partilhado, preparando um segundo encontro à paisana, sem as renas, sem o traje de Natal.
Uma coisa que deve ser dita: eu adoraria denunciar Papai Noel, o Lula dez dedos, como um tarado por garotinhos e garotinhas, mas ele é muito correto nesse aspecto. Nada, nem uma brincadeirinha com menores de idade. O negócio dele é mulher. O que é mesmo muito bom. Os garotos logo vão entender o que estou falando. Quanto às meninas, têm mais é que ficar quietinhas em casa, tornando-se jovens belas, recatadas e do lar. Para cada uma delas casar virgem e, só então, descobrir o amor.
Retomando a história, depois de se despedir da moça, Papai Noel aperta um botão mágico que faz o tempo andar para trás. Assim ele recupera horas preciosas. Mas é preciso calibrar o botão antes de acioná-lo, e o taradão de vermelho perde no mínimo 10 segundos a cada vez. Chega um momento em que se torna impossível distribuir presentes para todas as crianças. Culpa dele, que xavecou demais.
Então, o comuna desalmado simplesmente esquece das crianças da periferia e das favelas e volta com os brinquedos destinados a elas pro Polo Norte. Essa moçadinha passa a alimentar sentimentos feios, de inveja e ressentimento. Vocês ganharam tênis e celulares caríssimos, elas não. Não ganharam nem mesmo produtos bem mais baratos. Tudo culpa do vermelhão.
O pior é que, se a polícia perceber garotos ressentidos dirigindo olhares pidões pras coisas de vocês, vai entrar em ação. Polícia existe para isto: para defender a propriedade dos homens e mulheres de bem e de seus filhos, futuros cidadãos de bem. E aí, sinto muito, esses garotos da periferia e das favelas, em geral pretos e pardos, vão morrer. E algo normal, natural, é assim que a banda toca.
Os esquerdistas ficam indignados. Não vem nada de normal ou natural nisso, e sim uma chaga social. Eles dizem que a parcela mais pobre da juventude brasileira está sendo trucidada pela polícia a serviço dos ricos.
Talvez eles tenham alguma razão nessa crítica, mas são as regras do jogo. Digo mais, o Papai Noel nove dedos, o Lula pode até ganhar a eleição, mas é bom ele pisar manso. Que a polícia é nossa, as milícias também, e os homens de bem – os pais de vocês – estão armados.
