Notibras

Um conto pré-pix

Jonas gostava de novinhas. O que não chega a surpreender. Afinal, burro velho exige capim novo. E ele estava com 79 anos.

Divorciado e sem filhos, morava sozinho num apartamento minúsculo. Com a aposentadoria, de menos de três salários mínimos, cobria suas despesas e ainda sobrava um pouco para caçar.

Ou antes, para ser caçado. Jonas era sempre a presa voluntária e ansiosa das predadoras, pronta a ser abatida.

Naquela manhã, depois do café, ele tomou banho, vestiu-se cuidadosamente – sabe-se lá por quê, gostava de estar com a melhor aparência possível quando se aventurava pelas savanas virtuais, não que isso atenuasse as suas rugas – e entrou numa rede social. Não demorou muito.

– Oi.

“Não tem muita imaginação. As mais criativas costumam digitar Oieee ou outros barulhinhos divertidos, para parecerem ainda mais novas. Mas vamos em frente.”

Só que não foi. Prolongando cada momento da caçada, levou uma meia hora para digitar sua resposta, tampouco criativa.

– Oi.

O lance seguinte veio na hora.

– Td bm?

“São tão previsíveis… Ela deve estar com sede de sangue. Mas vai sofrer um pouquinho.”

Deixando a fera esperar, Jonas visitou a página dela. Viu, como imaginava, várias fotos provocantes, de shortinho ou biquíni, que revelavam um belo corpo e seios desafiadores. Passou então a fazer o jogo da presa inadvertida, comentando cada foto. Nada muito criativo, não precisava. Escrevia apenas, sob cada uma, o trivial variado: “Linda! Gostosa! Que delícia!” O importante era o ponto de exclamação, mostrava que a presa estava muito interessada em capim novo.

-Td bm – respondeu afinal.

Outro ponto importante: checar a idade dela. Havia predadoras adolescentes recém-entradas no cio, ansiosas por testar suas garrinhas e dentinhos, chaves de cadeia que insistiam de cara em mudar pro zap, mandar vídeo e nudes, o escambau. “São um perigo, mas tão previsíveis…”, pensou com um sorriso.

E o jogo prosseguiu por um longo tempo, a predadora rodeando-o e aproximando-se a cada frase, tentando inutilmente dissimular sua sofreguidão.

“Tadinha, não sabe como dar o bote”, pensou Jonas, divertindo-se. Decidiu facilitar a coisas para a jovem fera de seios arrogantes e passou a elogiar as fotos.

– Gostei especialmente daquela em que você está com o biquini vermelho – comentou. – Aquela dobrinha de pele é uma delícia… – E ofereceu sua cabeça numa bandeja, no melhor estilo João Batista-Salomé:

– Melhor que essa foto, só se você me enviar uma de você nuinha!

Era a abertura que a jovem fera esperava.

– Posso mandar, mas você vai ter de pagar…

Com essas palavras, o jogo entrava numa nova fase. Era a hora da barganha. Às vezes ele nem pedia, ela oferecia fotos, vídeos, encontros online, prometia levá-lo à loucura. Ele só tinha de mandar a grana…Mas ele gostava de pedir, de implorar, fazia parte da emoção de ser caçado.

O dinheiro também era negociado. Elas pediam 200, ele ria, as ferinhas baixavam para 150, 100, 50, às vezes 30 reais. Ele ficava meio chateado, tinha consciência de que isso queimava seu filme, fazia com que parecesse mão-de-vaca, mas seu dinheiro tinha de durar para numerosas caçadas…

Em raras ocasiões, Jonas fazia jogo duro, exigia receber fotos e vídeos antes de transferir o dinheiro. Em geral recebia fotos ou vídeos, nunca as duas coisas. E uma profusão de protestos. Como não confiava nela? Era uma mulher de palavra, mandaria tudo logo que a grana estivesse na conta…Ele docemente acabava por ceder, até porque, em todas essas postagens das caçadoras, era chamado de amor, vida, paixão, delícia, palavras tão verdadeiras quanto uma nota de 3 reais, mas tão gostosas de ler ou de ouvir…

Vinha afinal a fase da transferência, na grande maioria das vezes utilizando o CPF de uma amiga da jovem. E Jonas ia dormir, os nervos tensos, esperando o dia seguinte, quando as garras da predadora se cravariam em sua carne fatigada.

No dia seguinte, enquanto esperava, ele olhava as fotos ou vídeos que conseguira na véspera. Mas nem se excitava com isso, apenas preenchia o tempo. Afinal chegava a mensagem.

– O dinheiro não veio. Você me enganou.

Paciente, ele entrava no seu banco online, tirava uma cópia do extrato e mandava para a moça. Ela fingia não entender – ou não entendia mesmo, algumas eram semianalfabetas ou burrinhas de puxar pelo cabresto – e ele explicava que, se houvesse erro na remessa, o dinheiro teria voltado para sua conta. E sempre havia a possibilidade de o dinheiro entrar no dia seguinte…Em geral as explicações apaziguavam a fera, que teclava com ele quase numa boa, mas sem os amores, vidas e paixões do dia anterior.

Na manhã seguinte, nenhuma mensagem. Cabia-lhe tomar a iniciativa, acabar com a farsa.

– O dinheiro entrou?

– Não – respondia a predadora.

– Como não entrou? Você viu o comprovante, tudo certinho, o dinheiro está na conta de sua amiga…

Silêncio do outro lado. E então vinham as duas mensagens finais. A primeira variava, a segunda quase nunca.

– Vai se ferrar.

– Velho – teclada com o desprezo de uma fêmea arrogante por um macho que não a atrai.

Depois disso, Jonas sempre saía da rede. “Elas são tão previsíveis…”, pensava, com um misto de diversão e melancolia. Mas o balanço era positivo: por 30 reais havia espantado, durante dois dias, a solidão de sua vida.

Hora de tomar um banho, vestir-se com cuidado e se aventurar pelas savanas virtuais, para atrair predadoras jovens e sedentas de sangue.

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