Aquele velório prometia. Quer dizer, tudo indicava que seria muito concorrido, já que o defunto, apesar da fama duvidosa, era benquisto por parcela dos que o conhecia. Já a outra parte, melhor nem comentar, pois, dizem, falar mal dos mortos dá azar.
Arlindo Teixeira… Quem? Hum! Também, por esse nome, talvez nem a parentada soubesse quem era. Capaz de achar que fosse engano.
Arlindo Coca-Cola enfartou aos 67 anos e não teve quem desse jeito. Morreu a caminho do hospital. E motivos é que não faltaram para o triste fim desse Policarpo Quaresma desprovido de ideais.
Bebia igual a uma porca. Gordo que nem um capado. Não fazia ginástica. Desse modo, não tinha como ajudar. Dizem os mais chegados que até durou muito.
Lúcio Amendoim e Márcio Minhoca, os tais chegados, até a derradeira noite antes do último respiro, faziam companhia ao desprovido de cuidados com a própria saúde no botequim do Zeca. Como você já deve ter percebido, os dois também não eram adeptos da malhação, nem mesmo a contra Judas no sábado de aleluia.
Já no cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul, em Brasília, enquanto davam o último adeus ao agora finado, Amendoim e Minhoca, talvez impressionados com a feição pálida do parceiro imóvel dentro do féretro, imaginaram, ao mesmo tempo, terem ouvido vozes. Eles se entreolharam e, então, deu-se o seguinte interlúdio.
— Tu ouviu o que eu ouvi, Amendoim?
— Como pode isso, Minhoca?
— Num sei! Só sei que é a voz do Coca-Cola.
Os dois fitaram o rosto do falecido, que parecia imitar o sorriso de Monalisa. Seria possível? Diante da dúvida, Minhoca arriscou.
— Coca-Cola, foi tu que falou?
Nada. Nem mesmo um ai. No entanto, assim que os dois estavam prestes a voltar à realidade, eis que Arlindo Coca-Cola, direto do féretro, arregalou os olhos e gargalhou. Minhoca e Amendoim tomaram um baita susto e se abraçaram de medo.
Ainda com um resquício de coragem, Minhoca quis dar um pito no morto.
— Pô, Coca-Cola! Quer matar a gente de susto?
Foi como se aquelas palavras fizessem o rosto do Arlindo Coca-Cola voltar à palidez mórbida. Os colegas até tentaram puxar assunto, mas parecia que o moribundo não queria mais papo. Tanto é que permaneceu calado até que o caixão foi fechado.
Amigos em vida, os três esquifes foram depositados lado a lado. Quem sabe não continuariam aquela conversa no além?
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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