Notibras

Uma agradável surpresa

Quando o avião tocou a pista, ele acordou. Ultimamente, bastava o voo atingir a altitude de cruzeiro, vinha aquele sono incontrolável e não resistia, não conseguia sequer concluir a leitura de uma página de um livro, único momento que tinha tempo para isso. O volume, uma biografia de Edgar Alan Paul, já estava meio desgastado de tanto carregar sem nunca terminar. Adorava também observar as luzes lá de cima a se aproximarem durante o pouso, mas já há algum tempo só acordava depois do final do espetáculo. Era o estresse de tantas viagens a trabalho.

Devia ser a décima vez este ano somente naquela cidade e ainda era apenas início de agosto. Gostava de viajar, conhecer outros lugares; normalmente eram domésticas, mas esporadicamente algumas internacionais. Aproveitava um pouco, mesmo rapidamente, uma ou outra atração de cada local; considera-se um privilegiado de poder exercer uma atividade profissional que lhe dava tanto prazer.

Conhecer novas paisagens, culturas, culinárias e sotaques, entre tantas outras coisas inusitadas, lhe proporcionando a constante quebra da rotina. Era a realização de um sonho. Não poderia supor, no entanto, o que estava para acontecer naquela jornada, especificamente.

Por outro lado, como tudo tem seus prós e contras, a vida agitada de aeroporto em aeroporto, de voo em voo, às vezes com escalas e trocas de aeronaves, atrasos, lhe causava imenso desgaste físico e mental. Por isso, logo ao pousar, ficava ansioso por desembarcar.

Felizmente, na maior parte das vezes em viagens pelo Brasil e com permanência não muito longa, era possível levar uma bagagem pouco volumosa, sem a necessidade de despachá-la e ter de aguardar por mais um longo tempo até conseguir resgatar. Assim, quando finalmente conseguia saltar da aeronave, se apressava, fazendo apenas uma rápida parada para um café, em seguida retomando sua caminhada em busca de uma condução.

Tudo ocorreu conforme o roteiro acima, naquela noite, exceto por um detalhe: na fila, ao chegar sua vez, o carro já aguardava com o porta-malas aberto, onde colocou sua valise e bateu a tampa. Em seguida, automaticamente, dirigiu-se ao banco da frente do veículo como sempre fazia, em cujo modelo e marca nem reparou, nunca viajava no banco traseiro; abriu a porta e sentou-se. Antes que pudesse dizer boa noite, teve por uma fração de segundo a impressão, não de estar entrando em um automóvel, mas sim atravessando o portal do Paraíso Celeste. Uma voz doce e sensual:

– Boa noite, senhor! É um prazer poder servi-lo!

Só podia ser um anjo. Sim era um anjo em forma de mulher. Uma linda mulher, de seus 30 e poucos anos. Gentil e elegante, deliciosamente perfumada, recepcionando-o com um lindo sorriso, trajando um vestido de fundo branco, florido em vermelho, trouxe-lhe a memória os versos do poeta: “…o meu pensamento tem a cor de seu vestido, como o girassol que tem a cor de seu cabelo…” (Lô Borges), embora fosse morena.

– Para onde deseja ir?

Antes de dizer o nome do hotel, que a essa altura já não se lembrava mais, desconcertado, pediu desculpas pela forma como entrou no veículo, perguntando se preferia que passasse para o banco traseiro. A motorista então lhe disse para ficar à vontade, pois no carro dela o passageiro escolhe a forma como quer viajar. Superado esse primeiro momento de constrangimento, mas ainda muito pouco à vontade, ao mesmo tempo dizia para si em pensamento:

– Que sorte a minha! Depois de uma viagem cansativa, louco para chegar a meu destino o mais depressa possível, poder tomar um banho relaxante, comer alguma coisa e ir dormir o quanto antes, para amanhã, logo cedo, despertar e encarar mais um dia de trabalho intenso… Isso é um verdadeiro bálsamo!

Ficava imaginando:

– Em meio a dezenas de milhares de taxistas nessa megalópole, qual será a proporção de mulheres? Certamente, muito pequena. E quantas são jovens, bonitas, gentis e simpáticas quanto essa minha efêmera condutora.

Antes que pudesse prolongar seus devaneios, ela puxou conversa:

– Meu nome é Ana. E o seu?

– Muito prazer, Ana. Me chamo Flávio Camargo. Venho com frequência a sua cidade, e confesso: gosto muito dela, principalmente de sua vida noturna. Mas estou sempre a trabalho, não dá para aproveitar como gostaria. Pretendo vir para cá a passeio, algum dia, para poder usufruir de tudo que ela oferece.

– Quando vier, se desejar, terei muito prazer em levá-lo para um tour pelos pontos turísticos daqui.

Isso deixou Fabio bem animado. A partir daí a conversa fluiu, e se sentia um pouco mais à vontade. O papo estava tão agradável que nem percebeu o grande congestionamento no caminho. Um caminhão havia tombado na avenida principal.

Felizmente não houve vítimas, mas foi suficiente para interditar todas as vias das proximidades e até que os agentes do trânsito pudessem orientar um caminho alternativo, demorou quase uma hora para chegarem ao destino.

Falaram sobre tudo, desde o clima nessa época do ano, passando por questões de trabalho e até mesmo da vida pessoal de cada um. Flávio ficou sabendo, por exemplo, que Ana era formada em Direito, chegou a trabalhar na área, mas o trabalho era muito intenso e os ganhos não compensavam, pois ela não tinha recursos financeiros para montar seu próprio escritório e acabou deixando o emprego e foi viver na Europa por um tempo, mais precisamente em Paris, mas teve de voltar, pois havia deixado a filha com a avó paterna e sua intenção era retornar para buscá-la quando se estabilizasse, mas as coisas não saíram como planejado.

A menina tinha à época,14 anos, e se chama Ana Paula, junção do nome da mãe e do pai, Paulo. Nesse ponto a história lhe pareceu um pouco incongruente, pois falava do marido com muito carinho, mas dava ao mesmo tempo a impressão de estarem, de certo modo, separados. Flávio ficou um tanto desapontado e sem saber como agir, no primeiro momento imaginou que fosse solteira. De toda forma, tratava-se de uma fantasia sem sentido, pois ele também era casado e tinha uma filha de 12 anos com a atual mulher.

Chegando ao hotel, pagou a corrida e Ana agradeceu com um largo sorriso, quando notou seus dentes perfeitos, muito brancos e reluzentes. A moça se colocou à disposição para servi-lo sempre que desejasse, entregando-lhe um cartão.

Automaticamente, prometeu chamá-la quando precisasse. Despediram-se e Flávio se dirigiu à recepção para fazer o check-in. Aquela noite, apesar do cansaço, teve dificuldade para dormir, pensando na linda morena até alta madrugada.

Na manhã seguinte, em razão da noite mal dormida, apesar da agradável memória, não conseguiu acordar com o toque de despertar de seu celular e se atrasou para seu compromisso de trabalho. Para piorar não havia nenhum taxi disponível no hotel e o recepcionista informou que demoraria uns 10 minutos para a chegada de um outro. Pensou, então, na gentil taxista do dia anterior:

– Quem sabe esteja por perto e possa me atender. Assim, uno o útil ao agradável e sou compensado por ter de aturar o olhar feio dos outros participantes da reunião pelo meu inevitável atraso.

Por sorte, Ana havia acabado de deixar uma passageira no shopping na venida paralela e em menos de um minuto já estava na porta do hotel. Cumprimentou-o com o mesmo sorriso e gentileza do dia anterior, indagando se havia passado bem a noite. Sem entrar em maiores detalhes, respondeu que sim. Embarcou, ainda nem tão descontraído, no banco da frente, mas indisfarçavelmente prazeroso, e lá foram eles, alegres a conversar. O trânsito fluía bem e rapidamente chegaram ao local da reunião, mal deu tempo de tocarem em mais algum assunto. Mas despediram-se na certeza de que em breve teriam nova oportunidade de se encontrar.

Daquela vez sua estada seria muito rápida e já na mesma noite estaria de volta ao lar. Ligou para a motorista mais uma vez, mas, infelizmente, não estava disponível, tinha um horário marcado com outro cliente. Assim, teve de chamar outro carro e embarcou pensando naquela morena maravilhosa que o destino lhe havia apresentado no dia anterior. Durante o voo de volta, não conseguia tirá-la da cabeça, até que adormeceu. Confuso, não compreendia o que se passava, afinal, era casada e ele também.

Os dias correram e não tardou para novamente ter de voltar à cidade. Só de pensar, seu coração disparava. Ligou para Ana, combinando de buscá-lo ao desembarcar.

Sabia que estava muito impactado, mas tentava sublimar, dizendo para si que estava impressionado com a beleza e a simpatia da moça, mas esse sentimento rapidamente se dissiparia para se tornarem apenas bons amigos, pois, ainda que a conhecesse pouco, sentia que era uma pessoa de muitas qualidades, sem contar o grande carisma. Flávio, em geral, não costumava se enganar nessas avaliações preliminares sobre as pessoas em geral.

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A Parte II deste folhetim será publicada na terça-feira, dia 16.

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