Bartolomeu morreu e não percebeu, como se aquilo fosse cochilo de domingo à tarde. Já acordou do outro lado, no caso, o além, como se nada tivesse acontecido de diferente. No entanto, não tardou, pensou que estivesse sonhando. O motivo? É que se deparou com o Osvaldo, antigo desafeto, cujo destino, até onde Bartolomeu tinha conhecimento, teria sido na boca de um clã de hienas no parque Masai Mara, no Quênia.
O defunto de última hora, caso não estivesse mortinho da silva, certamente teria enfartado quando percebeu que Osvaldo se aproximou com aquele sorriso debochado e, pasmem, puxou conversa.
— Finalmente, Bartô!
— Bartolomeu, por favor!
— Que isso? Somos amigos há tanto tempo!
— Conhecidos e nada mais, Osvaldo.
— Ih! Tu já chegou todo azedo!
— Como assim?
— Azedo. Que nem limão.
— Não é isso.
— Como não é, Bartô? Quer dizer, senhor Bartolomeu.
— Não precisa ser sarcástico.
— Hum! Mas tu continua o mesmo chato de galocha, hein?!
— Desculpe. Colegas. Pode ser?
— Que seja, né, Bartolomeu?!
— Mas você disse que eu já cheguei.
— É.
— Cheguei onde especificamente?
— Ah, não acredito!
— Não acredita no quê, Osvaldo?
— Tu é mesmo um sortudo!
— Sortudo?
— É!
— Você poderia ser mais direito, Osvaldo?
— Tu tava dormindo, né?
— É.
— Sabia!
— Por acaso anda me espionando agora?
— Não é isso, Bartô… Quer dizer, Bartolomeu.
— E é o quê, então?
— Tu morreu! Tá mortinho que nem eu e todo aquele povo dali.
— Morto? Você quer dizer morto de verdade?
— É! Só não vá ter um piripaque.
— O quê?
— Brincadeira! Aqui ninguém morre.
— Não?
— Óbvio que não! Só se morre uma vez, Bartolomeu.
— O quê? E aquele lance de reencarnação? Não existe?
— Bobagem! Morreu, morreu, babau.
Bartolomeu, olhos arregalados, não sabia o que dizer. Ainda se considerava jovem. Quer dizer, havia passado dos 40 sem grandes remorsos e, agora que estava perto de completar meio século, todos os planos teriam se transformado em pó.
De tão perplexo com aquela situação, começou a sentir a orelha esquerda esquentando, como se alguém estivesse falando mal dele. O que estariam dizendo?
Junto à quentura, sentiu também a umidade. Agora não duvidava de que o estavam malhando quem nem Judas. O que ele teria feito de tão ruim para merecer tudo aquilo? Sempre se considerou bom filho, bom irmão, bom marido, bom pai, bom amigo… Diante de tantas dúvidas, Bartolomeu abriu os olhos e deu de cara com o Bronquinho, seu buldogue, que, após tantas lambidas, conseguiu despertá-lo.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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