Artur da Costa e Silva, o segundo ditador militar a governar o Brasil no regime autoritário instaurado com o golpe de 1964, morreu em 17 de dezembro de 1969, na cidade do Rio de Janeiro. Segundo informação do atestado de óbito, o falecimento ocorreu às 15h40, em decorrência de um infarto do miocárdio fulminante. O presidente já estava afastado do cargo desde agosto do mesmo ano, de acordo com a história oficial, por ter sofrido três AVCs num intervalo de cinco dias.
Foi ele o chefe do executivo signatário do Ato Institucional nº 5, “popularmente” conhecido como AI 5, considerado o principal conjunto de medidas de exceção de toda a ditadura, responsável pelo acirramento do autoritarismo e da violência de Estado desde os finais dos anos 1960 até meados dos 1970, tendo determinado o fechamento do Congresso Nacional e outras ações repressivas; criando o serviço oficial de censura, suspendendo garantias constitucionais e concentrando poderes quase ilimitados nas mãos do presidente da república, resultando na intensificação das perseguições, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos dos que lutavam contra o regime.
Um dos personagens participantes da trama palaciana, com o objetivo de aprovar a deliberação mais draconiana daquele período obscuro, foi o coronel Jarbas Passarinho, então ministro do Trabalho, responsável por proferir frase emblemática durante a reunião ministerial que culminou com a aprovação do citado ato: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.
Naquela etapa, como em qualquer outro momento da história política, floresceram teorias da conspiração, algumas, inclusive, contendo maior verossimilhança do que as narrativas perpetuadas nos livros como verdades incontestáveis. Como disse o jornalista e escritor, nascido na Índia Britânica, Jorge Orwell, autor de “1984” e “A revolução dos bichos” entre outros títulos: “A história é escrita pelos vencedores”. Portanto, nem tudo o que se sabe é comprovadamente fato, muita coisa é apenas a versão mais conveniente para os detentores do poder de plantão.
Antes de contar a história que me foi passada por um estranho numa das minhas viagens pelo Brasil, acrescento mais uma observação: havia um comentário corrente desde aqueles tempos de que Costa e Silva era um dos mais corruptos entre os protagonistas do golpe de 64.
Acabava de embarcar em um voo no aeroporto Juscelino Kubistchek em Brasília com destino a São Paulo. Logo ao me acomodar no meu assento, um senhor idoso, muito comunicativo e eloquente, sentado ao meu lado, começou a conversar comigo sobre política. Apresentou-se se identificando como maçom e se vangloriando de ter relações com vários políticos ligados aos chamados anos de chumbo, afirmando conhecer muitos dos bastidores obscuros do poder.
Grande parte do que falou não era propriamente novidade, confirmando fatos comprometedores, divulgados não oficialmente por diferentes meios ao longo do tempo, dos quais muita gente tem conhecimento, mas tratados, em geral, como intrigas ou boatos; como por exemplo as mortes de Juscelino Kubitschek em um acidente de carro que teria sido provocado e a de João Goulart, oficialmente de infarto, mas na verdade ele teria sido envenenado, quando estava internado em um hospital, na cidade de Mercedes, província de Corrientes, na Argentina.
Contudo, uma das coisas que me confidenciou, como se me conhecesse de longa data, me tratando como se eu fosse alguém de sua confiança pessoal, sobre a qual eu jamais tinha ouvido falar e, confesso, me despertou grande interesse por ser uma história no mínimo curiosa, tratava-se, segundo ele, da versão verdadeira dos fatos relacionados aos últimos meses de vida do general Costa e Silva, a qual passo a compartilhar a seguir.
Prática adotada pelas joalherias até os dias de hoje é emprestar joias para celebridades, para a participação em eventos de gala, como forma de marketing. E foi uma situação como essa que teria desencadeado os episódios conhecidos oficialmente como os derrames cerebrais sofridos pelo então presidente, culminando com seu falecimento também por problema coronariano.
O presidente e sua mulher, dona Yolanda Barboza da Costa e Silva, iriam participar de uma festa da alta sociedade, da qual artistas famosos de todas as áreas e políticos, entre outras celebridades, constavam da lista de convidados, uma famosa loja cedeu por empréstimo à primeira-dama um colar de diamantes caríssimo, talvez do mesmo quilate daquele doado pelo ditador da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud, à Michelle Bolsonaro, mais recentemente.
Evidentemente, após a realização da efeméride, a peça deveria ser restituída à joalheria, porém, não se sabe, mas desconfia-se, porque o casal presidencial, passado um mês do evento, ainda mantinha a joia sob sua guarda.
Preocupados, os administradores da joalheria procuraram o general Golbery do Couto e Silva, figura de maior influência durante toda a ditadura militar, afamada “eminência parda” de todos os governos daquele período, solicitando a ele que os ajudasse a reaver o valioso objeto.
Golbery, avaliando ser aquela uma missão a ser cumprida pessoalmente, dada sua potencialidade explosiva por envolver quem envolvia, convocou um ajudante de ordens, o qual sempre o acompanhava nas missões mais espinhosas, um militar de cuja patente não me recordo se mencionou, mas era um homem de estatura baixa, atarracado, e muito impetuoso, para irem até o palácio do Alvorada, falar com o presidente, a fim de verificar a situação e solicitar a imediata devolução da joia aos proprietários.
Lá chegando, foram recebidos pela autoridade máxima da nação em seu escritório. A conversa rapidamente evoluiu para uma discussão acalorada e os contendores, em pé e aos gritos, quase chegavam às vias de fato. Foi quando Costa e Silva fez um movimento suspeito, abaixando-se para tentar abrir a gaveta de uma pequena mesa localizada ao lado da principal, nesse instante o acompanhante de Golbery, supondo que ele estivesse buscando uma arma, sacou seu revólver e fez um disparo, atingindo-o no abdome.
Naturalmente aquela ocorrência não poderia vir a público, pois seria um escândalo de proporções inimagináveis. Mas ele estava gravemente ferido e necessitava de cuidados emergenciais. Removê-lo para um hospital, no entanto, tornaria impossível manter o segredo a ser encoberto por uma explicação, digamos, alternativa.
Assim, foi montada uma estrutura de tratamento dentro do próprio palácio, com o número mínimo de pessoas necessárias, sob recomendação de absoluto sigilo.
Com o agravamento de seu quadro de saúde, o general foi removido para o Rio de Janeiro, para sua residência oficial quando estava na cidade, o palácio das Laranjeiras, sendo transferida para lá a estrutura de tratamento a acompanhá-lo até o dia de seu falecimento.
Ǫuanto ao colar, foi devolvido posteriormente pela própria viúva, mas os funcionários da joalheria não tiveram conhecimento da fatalidade ocorrida durante a tentativa de o obter de volta, tendo acesso apenas, via imprensa, à mesma notícia disponível ao público em geral, sendo instruídos enfaticamente para jamais comentarem com qualquer pessoa a respeito da dificuldade em resgatar o inestimável bem.
De minha parte, quero deixar claro que não confirmo e nem desminto quaisquer das informações acima. Tendo-as reproduzido simplesmente por julgar a narrativa daquele ilustre desconhecido, do qual não me recordo o nome, uma teoria da conspiração bastante bem engendrada, portanto, digna de ser compartilhada aos interessados em conhecer as coxias da política.
Ao tempo desses acontecimentos, eu era um adolescente de 14 anos e, apesar da pouca idade, me interessava pelo noticiário e pude acompanhar pela T V todo o sofrimento do general desde a divulgação de seu adoecimento até seus últimos dias de vida, mas não tinha a capacidade crítica para avaliar se aquela era ou não uma história bem contada. Hoje, adulto, confesso que tendo mais a acreditar na teoria da conspiração relatada pelo meu exótico e ocasional parceiro de viagem.
