Notibras

Uma incursão (ficcional) pela mitologia

Eles eram filhos de Licaonte, homens cruéis, por essa razão transformados em lobos por Zeus, assim como sucedera ao pai. Um deles, também chamado Licaonte, diferenciava-se dos irmãos por não ser um devorador de carne humana. Tudo o que desejava era correr pelas matas da Hélade, sob o manto da noite, sentindo os raios da lua multiplicarem a força de seus músculos, ampliarem a velocidade de seu corpo flexível e ágil de lobo; seu maior prazer era inebriar-se com a profusão de odores das presas que ali se encontravam – e nenhuma delas pertencia às tribos dos helenos.

Só que os imortais se entediam facilmente, no Olimpo ou no plano terreno, e alguns deles resolveram organizar uma caçada.

Licaonte logo percebeu que estava sendo perseguido. Abriu um sorriso desdenhoso. “Vou atraí-los para o mais fundo da floresta”, disse a si mesmo. “E ensinar-lhes uma lição”. Ignorava quem estava no seu rastro, mas isso não era importante, logo descobriria. Eles, por sua vez, comprovariam que sua presa era um predador temível, de dentes e garras aguçados.

Havia três caçadores: Ártemis, deusa da caça, Órion, o arqueiro, inseparável companheiro de Ártemis, e Selena, deusa da lua. O lobisomem investiu contra eles numa clareira. Seus dentes dilaceraram o braço de Ártemis – e só quando viu o ícor dourado escorrer dos ferimentos foi que ele percebeu que enfrentava imortais. Isso não o impediu de atacar continuamente, não como uma fera e sim como um duelista, arremessando-se e em seguida recuando, esquivando-se das flechas e lanças, seu corpo transformado em uma espada flexível e mortal. O sabor do sangue levava seus irmãos a perder o controle, mas o ícor divino não exercia esse efeito sobre ele. A luta prolongava-se e Licaonte estava se saindo bem.

Mas era impossível abater divindades; ele podia apenas feri-las e, a cada golpe certeiro de Ártemis e de Órion, perdia um pouco de sua energia sobrenatural. Comovida com o heroísmo daquele ser sob sua influência, a deusa da lua abandonou por um momento o combate e invocou seu irmão Hélios, condutor do carro do sol, suplicando-lhe que saísse mais cedo pelos céus, de modo a abreviar a escuridão. Assim foi feito e, quando o luar desapareceu, dando lugar à alvorada, Licaonte retornou à forma humana.

Os deuses compadeceram-se do guerreiro gravemente ferido, inconsciente a seus pés, que os havia enfrentado com tamanha bravura, e não o abateram. Ao invés disso, trataram-lhe os ferimentos. Só partiram depois de se certificarem de que ele sobreviveria. E assim prolongou-se ao longo dos séculos a linhagem de Licaonte, mais nobre que a de seus irmãos, bestas-feras sedentas de sangue.

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